2010’s: 12 Discos Que Você Talvez Não Tenha Ouvido

/ Por: Cleber Facchi 08/01/2018

 

Quantos discos você ouve por ano? Entre 50 e 100 lançamentos? Mais de 200 trabalhos? E quantos álbuns você simplesmente deixa de ouvir? Para correr atrás do prejuízo e facilitar a sua vida, listamos aqui uma seleção de 12 obras essenciais lançadas na década de 2010, mas que não tiveram grande repercussão. São registros nacionais e internacionais que passeiam por diferentes gêneros – Hip-Hop, eletrônica, samba, rock e música experimental –, e que merecem uma segunda (ou terceira) chance. Conhece algum trabalho que deveria ter maior reconhecimento por parte do público? Compartilhe com a gente nos comentários.

 

Bruno Souto
Forte (2016, Deck Disc)

Romântico. Três anos após o lançamento do primeiro registro em carreira solo, o elogiado Estado de Nuvem (2013), o cantor e compositor pernambucano Bruno Souto apresentou ao público um novo álbum repleto de composições inéditas. Em Forte, cada canção presente no interior do trabalho se projeta como um precioso exercício confessional, reflexo da alma atormentada de Souto. Memórias e fragmentos sentimentais que incorporam o que há de mais doloroso, sensível e honesto na poesia autoral do artista. Claramente inspirado pelo mesmo romantismo de Odair José, Amado Batista e outros gigantes do cancioneiro popular, Souto faz de cada música um doloroso registro intimista. São declarações de amor movidas pela provocação (Forte), faixas corrompidas pela temática da separação (Muito Além de Nós) e ciúme (Amor Demais). Uma delicada extensão do material produzido não apenas no primeiro álbum do cantor, mas em grande parte da discografia da Volver, antiga banda de Souto. Ouça.

 

Daughn Gibson
All Hell (2012, White Denim)

Sem necessariamente provar de um gênero específico, Daughn Gibson fez do primeiro álbum em carreira solo, All Hell, uma verdadeira soma de pequenas possibilidades. Entre vozes abafadas e programações eletrônicas, lembrando a boa fase do veterano Arthur Russell, cada composição do melancólico registro serve de ponte para um conceito específico. Melodias soturnas que tendem ao pós-punk e ao country em Tiffany Lou, o romantismo doloroso de A Young Girl’s World, música que aponta para o pop dos anos 1960, além de experimentações sintéticas como toda a base detalhada em In the Beginning, música que transforma a voz sampleada em um instrumento complementar para o restante da obra. Um universo de experiências a serem desvendados e compartilhadas com o público, reflexo da vida sentimental tumultuada, relacionamentos instáveis e a constante sensação de isolamento que movimenta a poesia do disco. Uma fórmula que viria a servir de base também para os futuros trabalhos de Gibson, principalmente Me Moan (2013), entregue ao público no ano seguinte. Ouça.

 

DJ Quik
The Midnight Life (2014, Mad Science / INgrooves Music Group)

De 2Pac a Snoop Dogg, de Janet Jackson a Will Smith, em mais de três décadas de carreira, David Marvin Blake vem acumulando uma rica seleção de obras em parcerias com diferentes artistas. Entretanto, foi sob o título de DJ Quik que o produtor/rapper conseguiu montar um verdadeiro catálogo de clássicos. Trabalhos preciosos como Quik Is The Name (1991) e Rhythm-al-ism (1998), perfeitas representações do som que vem sendo produzido pelo artista original de Compton, Califórnia, desde o final da década de 1980. Nono álbum de inéditas da carreira do artista, The Midnight Life talvez seja o trabalho em que Blake mais se aventura dentro de estúdio. Vindo em sequência ao também excelente The Book Of David, de 2011, o registro de 16 faixas e quase 60 minutos de duração encontra no curioso diálogo com diferentes ritmos – Rock Psicodélico, Soul, Funk e Trap –, o principal componente para o nascimento de músicas como That Nigga’z Crazy, Pet Semetery e Life Jacket, essa última, encontra com o parceiro de longa data Suga Free. Uma colisão de fórmulas e pequenas possibilidades que detalham o completo domínio do artista dentro de estúdio. Ouça.

 

DJ Richard
Grind (2015, Dial)

Climático, sujo e hipnótico. Como indicado na imagem em preto e branco que ilustra a capa do trabalho, Grind, estreia do norte-americano DJ Richard, funciona como a passagem para um ambiente particular. Canções atmosféricas que delimitam cenários e paisagens sempre melancólicas, seus personagens e histórias traduzidas em camadas de minuciosa distorção e batidas sempre precisas. Clara evolução quando voltamos os ouvidos para os primeiros trabalhos assinados pelo produtor, cada composição detalhada no interior do registro flutua por entre épocas e cenários. Experimentações e ruídos metálicos que vão da cena de Chicago aos clubes de Berlim, flertando a todo instante com o mesmo preciosismo de representantes do selo germânico Kompact. Uma estrutura inexata que se reflete na nuvem eletrônica da inaugural No Balance, passa pelas batidas tortas de Nightwalk e segue em meio a faixas como Savage Coast, a quase colorida Bane e Ejected. Para o encerramento do disco, a extensa Vampire Dub, um verdadeiro labirinto sensorial que confirma toda a versatilidade do artista. Ouça.

 

Kassin
Sonhando Devagar (2011, Coqueiro Verde)

Sonhando Devagar é uma verdadeiro delírio transformado em música. Nascido dos sonhos (e pesadelos) do carioca Alexandre Kassin, produtor que já trabalhou com nomes como Los Hermanos, Mallu Magalhães e Vanessa da Mata, o trabalho que flutua entre o pop, o samba, o jazz, o soul e a música eletrônica encontra nas melodias empoeiradas dos anos 1970 um precioso elemento de conexão entre as faixas. Instantes em que o também integrante do +2 – projeto em parceria com Moreno Veloso e Domenico Lancelotti –, explora a essência de Marcos Valle e outros veteranos da música brasileira de forma sempre autoral, criativa e torta, brincando com as possibilidades dentro de estúdio. O resultado está na construção de faixas como a jazzística Mundo Natural, o pop provocante que borbulha em Calça de Ginástica – música que soa como um Guilherme Arantes safado –, além do synthpop frenético de Sorver-te, colorido registro que sustenta no jogo de palavras o principal componente para o fortalecimento dos versos. Ouça.

 

Leon Vynehall
Music for the Uninvited (2014, 3024)

Leon Vynehall é um artistas que sabe como fazer a própria música transitar por diferentes cenários, décadas e tendências distintas, porém, preservando a todo instante a própria identidade. Prova disso está nas sete composições que abastecem o primeiro grande álbum do produtor britânico: Music for the Uninvited. Viagem musical em direção ao passado, o trabalho busca inspiração nas memórias da infância do artista, emulando horas de audição de antigas fitas cassete contendo gravações de clássicos do soul, funk, disco e Hip-Hop inglês. De fato, a nostalgia ecoa de forma evidente desde a inaugural Inside the Deku Tree, música que utiliza de trechos da trilha sonora do jogo The Legend of Zelda: Ocarina of Time (1998), para Nintendo 64. São retalhos instrumentais (It’s Just [House of Dupree]), vozes abafadas (Goodthing) e sintetizadores carregados de efeitos (Pier Children) que vão dos temas dançantes de Ibiza ao completo isolamento do artista, lembrando uma versão ensolarada do clássico Untrue (2007) do conterrâneo Burial. Ideias que se revelam em pequenas doses, sempre curiosas, como se Vynehall ocultasse segredos em cada composição do disco. Ouça.

 

Lívia Cruz
Muito Mais Amor (2013, Casa1 Records)

Depressão, violência doméstica, abandono, relacionamentos abusivos e a necessidade de seguir em frente, sempre em busca de um novo amor. Obra de sentimentos, Muito Mais Amor mostra o evidente cuidado da rapper pernambucana Lívia Cruz em transformar as próprias experiências na base para cada uma das dez composições que abastecem o registro. De essência confessional, dividido entre a rima direta e o canto negro do R&B, o trabalho segue em uma espiral de pequenos delírios. Cenas reais e sussurros românticos, cuidado que se revela na bem-sucedida pareceria com Rashid, em Diamantes (“Agora quer voltar, e diz que vai mudar / Mas deixa eu te lembrar, que foi você quem disse que não“), mas que cresce, principalmente, na sufocante Você Se Enganou (“Você se enganou / Pensando que eu / Não iria partir“). Um som atento, poderoso, cuidado evidente na apaixonada Imensidão Azul (“Esse seu corpo escrito em sânscrito / O seu olhar é tântrico / E eu descrevo em cânticos“) e na jazzística Não Foi em Vão, música que mais uma vez detalha o passado recente que tanto alimenta a poesia do disco. Ouça.

 

Luísa Maíta
Lero-Lero (2010, Cumbancha / Oi Música)

Lero-Lero é um trabalho precioso. Nascido do cruzamento entre diferentes ritmos – samba, eletrônica, bossa nova, jazz e pitadas de música pop –, a estreia de Luísa Maíta faz de cada composição um curioso jogo de experiências a serem desvendadas pelo ouvinte. Ideias que se cruzam em ambiente de emanações eletroacústicas, como se cada fragmento instrumental e poético ao longo do disco servissem de passagem para um cenário marcado pela fina renovação dos elementos. Canções que sussurram histórias particulares (Desencabulada), detalham sentimentos (Alento) e personagens (Fulaninha, Maria e Moleque) de forma sempre versátil, colorida. Um resumo criativo de tudo aquilo que Maíta vinha experimentando em outros projetos como a colaboração com Rodrigo Campos em São Mateus Não É Um Lugar Tão Longe (2009). Do jogo cíclico dos versos na inaugural faixa-título ao último acorde da derradeira Amor e paz, Lero-Lero cresce como uma obra que dança nos ouvidos, sem pressa, sempre graciosa. Ouça.

 

 

My Midi Valentine
The Fall Of Mesbla (2011, Popfuzz Records)

O passado talvez seja o principal componente criativo do agridoce The Fall Of Mesbla. Do título inspirado na extinta rede de lojas de departamento, ao uso de melodias empoeiradas, típicas do pop dos anos 1960 – como indicado na breve passagem por I Got You Babe, da dupla Sonny & Cher –, cada fragmento do primeiro álbum do My Midi Valentine olha para trás com nostalgia e vívido apreço. Um cuidado que se reflete em cada fragmento detalhado pela dupla alagoana formada por Marcos Cajueiro e Tales Maia. São ecos do indie pop produzido nos anos 1990, como Neutral Milk Hotel, Belle and Sebastiana e Grandaddy, sintetizadores que emulam memórias e sons da infância, além de vozes acomodadas em uma cama de sentimentos expostos, medos e declarações de amor. Um doce turbilhão sentimental que encanta mesmo nos instantes mais dolorosos da obra, caso da psicodélica Junkie, além de outras como Special, música que soa como uma remodelagem eletrônica da obra dos Beatles. Composições que refletem a completa versatilidade da dupla, cuidado evidente na mutável ILUVO, um colorido labirinto de sensações e temas eletroacústicos que mudam da direção a todo instante, como uma síntese da produção madura que rege o disco. Ouça.

 

P A R A T I
Superfície (2015, Balaclava Records)

Em Superfície, os sentimentos parecem guiar o trabalho da dupla P A R A T I. Primeiro registro aos comandos de Rita Oliva (Papisa) e Zelino Lanfranchi, hoje ex-integrantes do grupo Cabana Café, o projeto de emanações leves e arranjos eletroacústicos brinca com a interpretação do ouvinte em uma montagem lenta, naturalmente sedutora. Um espaço construído a partir de sonhos, desilusões e até mesmo tormentos extraídos do cotidiano de qualquer casal. Curto, são apenas oito composições espalhadas em um intervalo de apenas 30 minutos, o álbum de sonoridade tímida cresce a cada sussurro emanado pela vocalista. Versos apaixonados, delírios melancólicos ou apenas confissões dissolvidas em uma poesia costurada pela provocação. “Sente a cadência / Constante intrínseca / Descanso estímulo / Seu consolo faz sorrir”, canta Oliva na delicada Suor, faixa que resume com naturalidade todo o conceito intimista e sentimental que alimenta a obra. Canções que flutuam em um ambiente próximo do onírico, delineado pelo uso vozes e arranjos encaixados delicadamente, sempre de maneira imprecisa. Detalhes que chegam até o ouvinte em pequenas doses. Mais do que garantir respostas, uma obra que encanta pelos segredos e colagens que dançam de forma misteriosa ao fundo de cada composição. Ouça.

 

Pictureplane
Thee Physical (2011, Lovepump United Records)

Oficialmente apresentado ao público durante o lançamento de Dark Rift, em 2009, Travis Egedy passou grande parte dos anos 2000 imerso em experimentações caseiras e trabalhos produzidos de forma artesanal, no isolamento do próprio quarto. Interessante perceber em Thee Physical, de 2011, uma criativa colisão de ideias, como uma síntese das referências, temas instrumentais e inspirações há muito explorados nos trabalhos do artista nova-iorquino. Entre ecos de Eurodisco, passagens rápidas pelo synthpop e cruzamentos que vão do Hip-Hop ao pop, Egedy fez do álbum uma obra em plena transformação. Canções produzidas a partir de sintetizadores frenéticos e samples (Black Nails), estranhas conversações com as pistas de dança (Touching Transform) e experimentos que costuram diferentes décadas dentro de um mesmo ambiente criativo (Techno Fetish). Instantes que se fragmentam em atos maiores, como a passagem para um universo desvendado em essência apenas pelo próprio artista. Ouça.

 

Sand Circles
Motor City (2012, Not Not Fun Records)

Paisagens futurísticas, o brilho trêmulo do neon, personagens dúbios e a lenta sensação de sufocamento. Trabalho mais complexo do sueco Martin Herterich sob o título de Sand Circles, Motor City funciona como a passagem para um cenário distópico e sombrio, típico de clássicos da ficção científica. São ambientações sutis que incorporam elementos da música techno no começo da década de 1990, porém, vão ainda mais longe, indo de encontro ao uso de temas sintéticos que embalaram a produção eletrônica entre o final dos anos 1970 e início da década seguinte. Um lento desvendar de referências e inspirações que passa pela obra de Vangelis, em Blade Runner (1982), flerta com as colagens abstratas de Oneohtrix Point Never, e segue em direção aos conceitos etéreos de nomes como Boards of Canada e Aphex Twin. Melodias e batidas submersas em meio a camadas de ruídos, proposta evidente na construção de músicas como Innercity Haze e Endless Nights. Fragmentos experimentais que lentamente ampliam o território desbravado pelo artista durante a produção do EP Midnight Crimes, lançado um ano antes. Ouça.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.