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Críticas

Rosalía

: "El Mal Querer"

Ano: 2018

Selo: Sony Music

Gênero: Latina, R&B, Pop

Para quem gosta de: Kali Uchis, FKA Twigs e SOPHIE

Ouça: Malamente e Di Me Nombre

8.5
8.5

Resenha: “El Mal Querer”, Rosalía

Ano: 2018

Selo: Sony Music

Gênero: Latina, R&B, Pop

Para quem gosta de: Kali Uchis, FKA Twigs e SOPHIE

Ouça: Malamente e Di Me Nombre

/ Por: Cleber Facchi 07/11/2018

Da provocativa imagem de capa — uma genitália feminina disfarçada em meio a símbolos religiosos —, passando estética concebida em parceria com o fotógrafo e artista visual Filip Custic, ao refinamento melódico e lírico que se destaca em cada composição, El Mal Querer (2018, Sony Music) é um trabalho que encanta pelos detalhes. Segundo e mais recente álbum de estúdio da cantora e compositora catalã Rosalía Vila, o registro produzido em um intervalo de poucos meses não apenas avança em relação ao antecessor Los Ángeles (2017), como revela ao público uma artista completamente madura, inventiva e em pleno domínio da própria obra.

Inspirado de maneira confessa em um romance medieval do século XIII, Flamenca, obra de autoria anônima que satiriza costumes e instituições da época em que foi lançado, El Mal Querer estabelece na temática das relações tóxicas, separações e comportamentos abusivos os principais componentes criativos para a formação dos versos. Composições ancoradas em incontáveis desilusões amorosas, momentos de ciúme exacerbado e pequenas corrupções momentâneas que sufocam e dão fim a qualquer relacionamento. Um misto de amargura e libertação que orienta a experiência do ouvinte até a derradeira A Ningún Hombre.

A noite rara se pôs / Eles saíram da lua e das estrelas / Essa garota cigana me contou / Melhor não sair para vê-la / Eu sonho que estou andando / Para uma ponte e a calçada / Quanto mais eu quero atravessar / Mais movimentos e oscilações“, canta logo na inaugural Malamente, composição ancorada em elementos da cultura Andaluz, porém, jogando com a inserção de versos marcados pela forte subjetividade lírica, como uma ponte para o presente. Frações poéticas em que se concentra em explorar as incertezas de qualquer relacionamento, proposta que tinge com fino toque de misticismo, renovação e inevitável melancolia outras composições do disco, vide a preciosa Di Mi Nombre.

Dentro desse cenário consumido pela dor e forte vulnerabilidade do eu lírico, Rosalía e o parceiro de produção, o experiente Pablo Díaz-Reixa (El Guincho), se concentram não apenas em perverter a essência da música flamenca, mas o pop em sua estrutura convencional. Exemplo disso está em De Aquí No Sales, faixa que preserva a estrutura folclórica do disco, porém, dialogando com o mesmo som torto de nomes recentes como SOPHIE e Arca. Mesmo a já citada faixa de abertura, Malamente, vai do R&B à música latina em uma linguagem deliciosamente fragmentada, estranha, porém, hipnótica. Uma colisão de pequenos conceitos que une tradição e renovação estética sem necessariamente romper com a identidade criativa que vem sendo montada desde o álbum anterior.

Guiado pelo permanente senso de ruptura, El Mal Querer ainda revela ao público uma série de composições inusitadas, consumidas pelo propositado estranhamento das formas instrumentais. É o caso de Bagdad, música que se espalha em meio a referências religiosas enquanto El Guincho recicla trechos de Cry Me a River, de Justin Timberlake. Na experimental Maldición, décima faixa do disco, fragmentos extraídos da melancólica Answer Me, música originalmente lançada por Arthur Russell (1951 – 1992) no álbum World of Echo, de 1986. Um lento desvendar de formas e ideias que exige uma audição atenta por parte do ouvinte, convidado a se perder em meio a versos e citações que apontam para diferentes campos da arte.

Completo pela série de vídeos e delicada identidade visual que vem sendo desenvolvida para o disco, El Mal Querer é um trabalho que claramente ultrapassa o simples limite da canção. Som, imagem, coreografia, ritmo e rica herança cultural que se entrelaça em uma linguagem particular, própria da artista. Exemplo disso está na recente passagem da cantora pelo EMA 2018, onde despertou a atenção do público ao apresentar duas composições do álbum, De Aquí No Sales e Malamente. Uma síntese clara da completa versatilidade e todo o planejamento que sutilmente envolve a obra de Rosalía.

 

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.