Cozinhando Discografias: Deerhunter

/ Por: Cleber Facchi 16/02/2015
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A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista, ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado muito mais democrático.

Formado em meados de 2001 pelos amigos Bradford Cox e Moses Archuleta, e hoje completo com Lockett Pundt, Frankie Broyles e Josh McKay, o Deerhunter talvez seja o projeto mais representativo do Shoegaze/Dream Pop atual. Influenciada por veteranos como My Bloody Valentine, David Bowie, Sonic Youth e Stereolab, a banda de Atlanta, Geórgia acumula seis trabalhos de estúdio, entre eles, clássicos recentes como Microcastles (2008) e Halcyon Digest (2010).

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#7. Turn It Up Faggot
(2005, Stickfigure)

A massa densa de ruídos e arranjos instáveis que ocupa os primeiros minutos de Turn It Up Faggot diz muito sobre o trabalho do Deerhunter no começo de carreira. Imenso agregado de referências anárquicas, o álbum de 30 minutos parece muito mais voltado ao garage rock/punk dos anos 1970 do que focado na “neo-psicodelia-shoegazer” posteriormente reforçada pelo grupo com Microcastle (2008). Da abertura em N. Animals, até a construção de Language/Violence, quinta faixa do disco, todos os esforços da banda estão voltados para a produção de bases caóticas e essencialmente aceleradas, tsunamis curtas de distorção, sempre orientadas pela voz do líder Bradford Cox. Lançado em homenagem ao baixista original da banda, Justin Bosworth, morto em 2004, Turn It Up Faggot alterna entre instantes de sobriedade e completa esquizofrenia. Faixas como Oceans e Basement em que os futuros ensaios experimentais do grupo parecem ocultos em meio a escombros defeituosos de guitarras, versos cíclicos e todo um catálogo de maquinações que jogam com a mente do público.

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#6. Weird Era Cont.
(2008, 4AD / Kranky)

Originalmente previsto para outubro de 2008, Microcastles, terceiro álbum de estúdio do Deerhunter, acabou vazando na internet dois meses antes do lançamento oficial. De forma a presentear o público que já havia comprado o disco durante a pré-venda, Bradford Cox e os parceiros de banda resolveram gravar um novo álbum: Weird Era Cont. Uma espécie de CD bônus que seria entregue com o vinil do recém-vazado projeto. Entretanto, ao liberar a própria conta no Mediafire para que o público baixasse uma série de singles virtuais, Cox não se deu conta de que a pasta do novo registro também estava aberta, disponível para download. Prejuízo para a banda, presente para os fãs, o quarto álbum do quinteto de Atlanta parece seguir um caminho contrário em relação ao antecessor. Se em Microcastles o uso de efeitos foi explorado com parcimônia, detalhando a construção dos versos e ruídos “minimalistas”, ao mergulhar no ambiente distorcido de Vox Celeste, Operation e VHS Dream não é difícil perceber o profundo interesse do grupo em brincar com as texturas e colagens exageradas. Um meio termo entre os experimentos lançados um ano antes, em Cryptograms (2007), e toda a relação com o Dream Pop posteriormente ressaltada em Halcyon Digest (2010).

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#5. Cryptograms
(2007, Kranky)

É difícil encarar o Deerhunter de Cryptograms como a mesma banda do caótico Turn It Up Faggot. Se em 2005 o grupo de Atlanta ressaltava o uso de arranjos quebrados, vozes e guitarras maquiadas pelo ruído, com o segundo álbum de estúdio – primeiro pelo selo Kranky -, um alinhamento notável no uso das melodias conduz de forma madura o desenvolvimento do trabalho. A aceleração e base “suja” do álbum ainda é a mesma do primeiro registro em estúdio do coletivo, entretanto, toda a urgência reforçada em composição como Adorno e Pounds parece trabalhada de forma distinta dentro disco de 2007. Além do maior investimento em faixas extensas – caso de Octet e White Ink -, durante toda a obra, Cox detalha de forma intimista uma série de versos confessionais, melancólicos e tocados pela temática do abandono. A julgar pelos versos de Providence e Strange Lights, uma obra de cunho existencialista, tomada pelos questionamentos de um jovem adulto. Mesmo marcado por referências ao trabalho de Sonic Youth na fase Sister (1987) ou mesmo o My Bloody Valentine no clássico Loveless (1991), durante toda a construção do trabalho é visível o amadurecimento da banda, cada vez mais próxima de alcançar um som autoral.

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#4. Monomania
(2013, 4AD)

Passado e presente se encontram no interior de Monomania. Dividido em dois grupos de canções, o sexto álbum de estúdio do Deerhunter alterna entre a poluição instrumental dos primeiros registros e o maior refinamento estético conquistado em Halcyon Digest (2010). De um lado, faixas como Leather Jacket II, Pensacola ou mesmo a própria música-título, um regresso inevitável ao garage rock de Turn It Up Faggot (2005 – quando a banda norte-americana se concentrava na produção de um som “artesanal”. No outro oposto, The Missing, T.H.M. e Sleepwalking, representantes da lisergia mística do grupo e, ao mesmo tempo, uma extensão do material incorporado por Lockett Pundt com Spooky Action at a Distance (2012), segundo registro do Lotus Plaza. De natureza irregular, por vezes esquizofrênica, cada peça do álbum transporta o ouvinte para um cenário diferente. Vozes abafadas pela captação suja de um estúdio caseiro, guitarras delicadas, mas que logo afundam em distorções, distúrbios poéticos que soam como uma interpretação da mente excêntrica de Bradford Cox. Oito anos após a apresentação do primeiro álbum de estúdio, o Deerhunter parecia ter encontrado uma espécie de recomeço.

 

#3. Fading Frontier
(2015, 4AD)

Do som ruidoso que invade as canções de Monomania (2013) para a atmosfera acolhedora de Fading Frontier (2015). Sétimo álbum de inéditas na carreira do grupo norte-americano, o trabalho que mais uma vez conta com a produção de Ben H. Allen (Animal Collective, Neon Indian) sustenta na leveza dos arranjos o principal componente criativo para atrair a atenção do ouvinte. Composições como a etérea Living My Life, o pop psicodélico de Breaker, música que parece dialogar com a obra de nomes como Real Estate e Kurt Vile, além de preciosidades como a letárgica Take Care, canção guiada pela inserção minuciosa dos sintetizadores. Inspirado de maneira confessa na obra de artistas como Caetano Veloso, Al Green, R.E.M. e Tom Petty, Fading Frontier ainda revela ao público uma seleção de faixas curiosas. É o caso de Snakeskin, um rock funkeado e quente, proposta que distancia o som produzido pela banda do restante da obra. Melodias e versos que se entrelaçam de forma detalhista até o último instante do álbum, em Carrion, composição que parece flutuar entre o pop dos anos 1960 e os instantes de maior delírio de Halcyon Digest.

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#2. Microcastle
(2008, 4AD / Kranky)

A mudança iniciada em Cryptograms (2007) foi apenas o início de uma série de transformações na obra do Deerhunter. Em busca de um som cada vez mais autoral, longe da herança acumulada por veteranos como Sonic Youth e My Bloody Valentine, em Microcastles o quinteto conseguiu não apenas equilibrar a sobrecarga de ruídos dos dois primeiros discos, como trouxe nos versos de Bradford Cox um condimento ainda mais interessante, particular, para o trabalho da banda. Em meio a confissões amorosas (Never Stops), medos (Agoraphobia) e exposições melancólicos (Green Jacket), cada música do registro cresce em um cercado específico; faixas de dois a quatro minutos esculpidas em meio a arranjos detalhistas, sufocados pela voz trêmula de Cox. Um misto constante de isolamento e reflexão que explode no interior de músicas como Nothing Ever Happened, ou ainda encolhe em peças psicodélicas, vide a faixa-título. Retrato da maturidade do grupo, Microcastles viria acompanhado do “irmão” Weird Era Cont., deixando o espaço livre para a chegada da obra-prima Halcyon Digest (2010), além de uma série de conceitos visíveis nos projetos paralelos da banda – Atlas Sound e Lotus Plaza.

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#1. Halcyon Digest
(2010, 4AD)

Em um ano de obras de peso como My Beautiful Dark Twisted Fantasy, The Suburbs e High Violet, Halcyon Digest conseguiu não apenas elevar o trabalho do Deerhunter, apresentado o grupo a toda uma nova parcela de ouvintes, como ainda estabeleceu um ambiente isolado dentro da própria discografia da banda. Ao mesmo tempo em que as canções soam como uma extensão dos ruídos sutis apresentados em Microcastles, cada faixa assinada por Bradoford Cox funciona como uma pequena peça do cenário lisérgico/onírico exposto ainda na inaugural Earthquake. Um universo de desilusões sentimentais (He Would Have Laughed), tormentos de um jovem adulto (Don’t Cry)  e até mesmo personagens (reais), caso da homenagem a Dimitry Marakov em Hellicopter.

Musicalmente, com Halcyon Digest o Deerhunter dá um novo passo em relação aos primeiros discos. Além do explícito resgate de ruídos minimalistas e distorções melódicas testadas no trabalho de 2008, a precisa inserção de novos instrumentos parece aproximar o grupo de um campo ainda maior de possibilidades. Do saxofone instável em Coronado, inspirado de forma confessa no clássico Exile On Main Street. (1972) dos Rollings Stones, ao uso de guitarras limpas e violões em Revival, todos os elementos do álbum se organizam de forma harmônica, como uma interpretação torta da música pop de diferentes épocas. Com um pé na psicodelia e outro na mente instável de Cox, Halcyon Digest é uma passagem para um universo tão próprio (e perturbador) quanto a imagem que estampa a capa do álbum.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.