Cozinhando Discografias: Legião Urbana

/ Por: Cleber Facchi 19/08/2013

Por: Cleber Facchi

Legião Urbana

A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Vale ressaltar que além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado da lista muito mais democrático e pontual.

Longe do louvor cego ou do possível deboche do público, há na discografia da Legião Urbana um dos catálogos mais criativos do repertório nacional. Base para boa parte do que caracteriza a produção musical recente, a banda formada em Brasília no começo dos anos 1980 não custou a atrair a atenção do público, resultado evidente logo nos primeiros discos. Esforço coletivo de Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, o grupo ocupou os quase 15 anos de atuação com algumas das obras mais significativas do rock nacional. Dona de clássicos como As Quatro Estações (1989), Dois (1986) e Que País é Este (1987) – que anualmente são descobertos por uma geração de novos ouvintes -, a banda é a primeira atração nacional escolhida para a seção Cozinhando Discografias, tendo todos os registros em estúdio catalogados do pior para o melhor.

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Uma Outra Estação

#08. Uma Outra Estação
(1997, EMI)

Trabalho póstumo, Uma Outra Estação concentra boa parte das faixas que ficaram de fora do álbum A Tempestade – concebido originalmente como um disco duplo. Oposto ao resultado no projeto anterior, o disco se desvencilha do jogo sombrio dos versos, percorrendo uma fração ensolarada da obra do grupo. Longe de parecer um trabalho de sobras, o álbum acumula boas composições durante todo o percurso, caso de As Flores Do Mal, Antes das Seis e a própria faixa-título, composições que mesclam a sonoridade exposta no álbum de 1996 e os sons apresentados durante o álbum As Quatro Estações. Além do catálogo de faixas mais recentes, o disco revisita algumas composições “perdidas” da banda, caso de La Maison Dieu, faixa que ataca a Ditadura Militar e foi inicialmente concebida para o disco O Descobrimento do Brasil. Sobra ainda para a inclusão de músicas construídas durante a fase solo de Renato Russo, como Trovador Solitário, faixas à exemplo de Marcianos Invadem a Terra e Dado Viciado.

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Legião Urbana

#07. Que País é Este
(1987, EMI)

A boa recepção em torno do álbum Dois (1986) fez com que a gravadora praticamente forçasse a Legião Urbana a lançar um novo registro. Por conta da ausência de repertório, Renato Russo resolveu visitar composições antigas de seu repertório, resgatando tanto músicas de quando fazia parte da banda punk Aborto Elétrico, como do período em carreira solo, quando se apresentava como o “Trovador Solitário”. Como resultado, apenas duas das nove composições que alimentam Que País É Este são originais da época em que o disco foi lançado – Angra dos Reis e Mais do Mesmo, posicionadas no fechamento do trabalho. Cru, o trabalho praticamente rompe com o detalhismo imposto pela banda um ano antes, revelando faixas despretensiosas como Tédio (com um T bem Grande pra Você) e Química, além do épico Faroeste Caboclo, centrada na já desgastada história de João de Santo Cristo. Seria o último trabalho do grupo acompanhado do baixista Renato Rocha, que depois se encaminharia para uma ruptura conceitual em relação aos sons, a partir de então, cada vez mais intimistas.

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A Tempestade

#06. A Tempestade (Ou o Livro dos Dias)
(1996, EMI)

Poucos registros nacionais concentram uma carga tão melancólica quanto A Tempestade, sétimo e último álbum da Legião Urbana antes da morte de Renato Russo. Debilitado por conta do tratamento contra a Aids e visivelmente desesperançoso, o cantor faz de cada faixa no decorrer da obra uma despedida, algo explícito nos versos Oswald de Andrade registrados no encarte do álbum: “O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus”. Uma das obras mais extensa do grupo, com quase 70 minutos de duração, o disco se perde em meio a composições amargas como Longe do Meu Lado, Quando Você Voltar e A Via Láctea, todas gravadas sob grande esforço do cantor, com os vocais já debilitados por conta da doença. Com a participação ativa de Carlos Trilha, tecladista e produtor que havia acompanhado Russo nos trabalhos em carreira solo, o álbum parece cercado dentro de uma atmosfera própria, com Dado Villa-Lobos apostando na densidade das guitarras e Marcelo Bonfá no uso de uma percussão pouco convencional para a banda.

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Legião Urbana

#05. O Descobrimento do Brasil
(1993, EMI)

Um misto de desespero e esperança alimenta o trabalho da banda em O descobrimento do Brasil. Menos sombrio que o resultado exposto no disco anterior, V (1991), o sexto registro em estúdio do trio incorpora o uso detalhado dos instrumentos, resultado explícito na presença de bandolins, cítaras e teclados mergulhados de forma leve em arranjos psicodelicos. De exposição bucólica – visível logo na capa do disco -, o álbum percorre a recente fase de Renato Russo, livre das drogas depois de um período de reabilitação – assumido na faixa de encerramento do álbum, Só Por Hoje. Adornado por composições românticas como Vamos Fazer Um Filme e Giz (música favorita do cantor), faixas ásperas aos moldes de Perfeição e canções de temáticas cotidianas, como Um Dia Perfeito e a canção-título, cada etapa do trabalho parece surgir como um ambiente particular do compositor, ciente dos problemas com a Aids, e antecipando a despedida que cresceria logo no álbum seguinte, o macambúzio A Tempestade (1996).

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Legião Urbana

#04. Legião Urbana
(1985, EMI)

A primeira edição do Rock In Rio, o período de abertura política e a interferência da música estrangeira preparavam o terreno para o que viria a ocupar a cena nacional no restante da década de 1980. Talvez isolados em relação ao que ocupava a produção musical carioca – muito mais focada na New Wave norte-americana -, com o primeiro registro em estúdio, a Legião Urbana parecia brincar com a essência construída anos antes na música inglesa. Autointitulado, o primeiro disco do grupo comandado por Renato Russo passeia entre a furtividade de bandas como The Clash (Petróleo do Futuro), o toque sombrio do Joy Division (Perdidos no Espaço), além do esforço sutil do The Smiths (Por Enquanto). Um jogo assumido de colagens e interpretações particulares, mas que não escondem a habilidade da banda em transitar seguramente por inventos próprios. Agrupado de clássicos como Será, Geração Coca-Cola e Ainda É Cedo, o disco custaria a ser recebido pelo grande público, sendo compreendido em totalidade apenas com o lançamento do álbum Dois em Julho de 1986.

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As Quatro Estações

#03. As Quatro Estações
(1989, EMI)

Depois do período tumultuado que abasteceu a turnê de divulgação do álbum Que País É Este (1987) – resultando na fatídica apresentação do Estádio Mané Garrincha, em 1988 -, a busca por um som menos exaltado parecia movimentar a atuação da Legião Urbana. Sem o baixista Renato Rocha – que deixou a banda por conta de divergências com os demais integrantes -, o grupo dava continuidade aos sons apresentados no álbum Dois, utilizando do tempo em estúdio como um exercício de maior polimento para as canções. Quarto trabalho de estúdio da banda, As Quatro Estações reforça o lirismo de Renato Russo, que entre referências religiosas (Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar), críticas à ditadura (1965), sexualidade assumida (Meninos e Meninas), passagens pela obra de Camões e trechos bíblicos (Monte Castelo), desenvolve todo o arsenal poético do trabalho. Registro mais conhecido do público, o trabalho abriga clássicos como Pais e Filhos, Há Tempos, Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto e toda uma seleção de canções que serviram para a consolidação do grupo como o mais importante do país naquele momento.

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V

#02. V
(1991, EMI)

Com As Quatro Estações (1989), a Legião Urbana havia se transformado na maior banda do Brasil. Shows lotados, vendagens de discos em alta e um conjunto de acertos catapultaram de forma natural o grupo brasiliense para o topo da cena nacional. Como se buscasse amenizar isso, V, quinto registro oficial do grupo, cresce em uma atmosfera intencional de ruptura. Desenvolvido em cima de um conjunto de sons amargos e intimistas, o trabalho é praticamente um reflexo do próprio Renato Russo naquele instante. Enquanto as letras se dividem entre a descoberta da Aids, a situação econômica do país e a dependência química do cantor, instrumentalmente o registro vai além dos inventos prévios da banda. São passagens pelo rock progressivo (Metal Contra As Nuvens, A Ordem Dos Templários), psicodelia (A Montanha Mágica), flertes com o punk (L’Âge D’or) ou mesmo típicas canções pop (O Mundo Anda Tão Complicado), faixas que transformam o disco no catálogo mais versátil de toda a discografia do grupo.

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Dois

#01. Dois
(1986, EMI)

Inicialmente pensado como um álbum duplo – intitulado Mitologia e Intuição e vetado pela gravadora -, o segundo registro em estúdio da banda cresce com um maior entendimento em relação aos sons apresentados no disco de estreia. A herança do Pós-Punk inglês (diga-se The Smiths) surge visivelmente melhor aproveitada, com Renato Russo assumindo versos cada vez mais intimistas dentro da proposta original do grupo. Da amargura incontida, que cresce em Daniel na Cova dos Leões e Acrilic on Canvas, passando pelos versos/temas típicos de novos adultos, em Quase Sem Querer, Tempo Perdido e Andrea Doria, cada faixa representa uma manifestação particular de seu criado, ao mesmo tempo em que parece esculpida com acerto para o grande público. Exemplo disso está na historieta românica de Eduardo e Mônica – faixa responsável por boa parte das vendas do disco – e Índios, música que demonstra a habilidade do compositor em orquestrar a seriedade política dos versos em um alinhamento essencialmente melódico.

Base intencional para aquilo que o grupo viria a desenvolver com maior atenção a partir do disco As Quatro Estações (1989), Dois reforça o lirismo e as faixas carregadas de referências ocultas, exercício que ajudou a que impulsionar a obra e a carreira do grupo. Do hino da Internacional Socialista, instalado na abertura do trabalho, passando pelas menções à Guerra Fria, em Plantas Embaixo do Aquário, até o título extraído do navio italiano SS Andrea Doria, cada música amplia a capacidade de Russo em despertar a curiosidade do ouvinte. Musicalmente bem delineado, o álbum traz no uso de sintetizadores uma oposição ao que ocupava a cena carioca da época, abrindo espaço para o teor soturno que viria a orientar a banda até o último álbum de estúdio. Seria apenas o começo de um dos projetos mais promissores do cenário nacional.

 

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.