Cozinhando Discografias: Primal Scream

/ Por: Cleber Facchi 26/12/2017

 

Formado em 1982 na cidade de Glasgow – um dos principais núcleos criativos da Europa –, o Primal Scream talvez seja a principal representação de todas as transformações que marcaram o pop-rock britânico entre o final dos anos 1980 e início da década de 1990. Em mais de três décadas de carreia, a banda comandada pelo ex-baterista do grupo The Jesus and Mary Chain, Bobby Gillespie, fez da constante busca por novas sonoridades o principal estímulo para a produção de uma obra marcada pelo constante desvendar de novas possibilidades e temas instrumentais.

Um exercício curioso que teve início em 1987, durante o lançamento do debute Sonic Flower Groove, e segue em meio a obra icônicas como Screamadelica (1991) e XTRMNTR (2000). Ponto de encontro para diferentes representantes da música inglesa, como Kevin Shields ( My Bloody Valentine) e Gary “Mani” Mounfield (The Stone Roses), o Primal Scream teve cada um dos trabalhos de estúdio organizados do pior para o melhor lançamento em mais uma edição do especial Cozinhando Discografias. Nos comentários, conta pra gente: qual é o seu álbum favorito da banda?

 

#11. Chaosmosis
(2016, First International / Ignition)

Chaosmosis está longe de ser encarado como um peça significativa na discografia do Primal Scream. Versão simplificada do som explorado três anos antes durante a produção de More Light (2013), o trabalho de dez faixas soa como um mero replicar de ideias e conceitos há muito explorados pela banda, como se Bobby Gillespie fosse incapaz de ir além dos próprios limites criativos. Entretanto, mesmo a explícita ausência de ideias em nenhum momento prejudica o crescimento de faixas acessíveis ao grande público, como se Gillespie e os produtores Andrew Innes e Björn Yttling abraçassem o pop. Exemplo disso está na participação do trio HAIM em duas das faixas mais grudentas do disco, Trippin’ on Your Love e 100% or Nothing. Canção escolhida para apresentar o trabalho, Where the Light Gets In se abre para a breve colaboração com Sky Ferreira, responsável por completar as pequenas lacunas vocais de Gillespie. Surgem ainda nomes como Rachel Zeffira (Cat’s Eyes) e Jason Falkner, parceiros do músico escocês em momentos estratégicos do disco. Um trabalho pouco inspirado, porém, em nenhum momento descartável.

 

#10. Primal Scream
(1989, Creation / Mercenary)

Do pop rock psicodélico que abastece as canções de Sonic Flower Groove para as guitarras enérgicas do homônimo disco de 1989. Ainda em busca da própria identidade musical, Bobby Gillespie fez do segundo registro de inéditas do Primal Scream uma evidente busca por novas sonoridades. Intenso quando próximo do trabalho que o antecede, o registro de 10 faixas segue em um ritmo acelerado até silenciar na balada Jesus Can’t Save Me. São pouco mais de 30 minutos em que Gillespie continua a flertar com o rock produzido no início dos anos 1970, fazendo de faixas como She Power e Gimme Gimme Teenage Head uma explosão de vozes berradas, batidas e guitarras maquiadas pelo uso de efeitos psicodélicos. Surgem ainda experimentos improváveis, caso da melancólico You’re Just Dead Skin to Me, além da completa lisergia de Kill The King, música que joga com o uso de efeitos reversos e vozes melódicas. Com distribuição pelo selo Creation Records, o álbum viria a servir de ponte para o complexo Screamadelica (1991), transformação evidente no britpop psicodélico de I’m Losing More Than I’ll Ever Have, parcial síntese do material que seria produzido no trabalho seguinte da banda.

 

#09. Sonic Flower Groove
(1987, Elevation)

Lançado em outubro de 1987, Sonic Flower Groove talvez seja o trabalho em que as principais referências de Bobby Gillespie são apresentadas ao público com maior naturalidade. Claramente influenciado pelo rock melódico de veteranos como The Byrds e os temas lisérgicos de veteranos como The Rolling Stones, o trabalho de dez faixas mostra a tentativa do grupo escocês em construir musicalmente a própria identidade. Do pop nostálgico que se espalha em May the Sun Shine Bright for You, música que lembra a boa fase dos Beatles, passando pelas guitarras carregadas de efeitos em Silent Spring ou mesmo a leve psicodelia em Imperial e Love You, cada composição ao longo do disco transporta o ouvinte para um novo universo, como se o Primal Scream jogasse com as possibilidades dentro de estúdio. Curiosamente, parte expressiva dessa colisão de ideias e conceitos instrumentais seria aproveitada de forma ainda mais coesa no início dos anos 1990, servindo de base para o trabalho de conterrâneos como Blur, Oasis e demais representantes do britpop.

 

#08. Riot City Blues
(2006, Sony)

Mesmo repleto de composições pegajosas – vide Country Girl e Nitty Gritty –, não há como negar que Riot City Blues veio ao mundo como uma tremenda quebra de expectativa quando voltamos os ouvidos para tudo aquilo que o Primal Scream vinha construindo no começo da década de 2000. Longe dos temas eletrônicos e experimentos incorporados pela banda em obras como XTRMNTR (2000) e Evil Heat (2002), Bobby Gillespie decidiu se voltar para o rock ‘n’ roll clássico, resgatando uma série de elementos originalmente testados durante a produção de Give Out But Don’t Give Up, de 1994. A diferença em relação ao trabalho lançado uma década antes está na completa simplicidade de Riot City Blues. Trata-se de um trabalho cru, completo pela inserção repetitiva de harmônicas e arranjos que pouco ou nada acrescentam ao desenvolvimento do disco. Mesmo a poesia do trabalho, outra reforçadas pela forca política de Gillespie, acaba dando lugar ao uso de temas sentimentais, românticos e naturalmente íntimos do grande público. Um som leve, descomplicado, porém, grandioso em momentos descartável, vide a derradeira Sometimes I Feel So Lonely, um dos grandes clássicos do Primal Scream na última década.

 

#07. Beautiful Future
(2008, B-Unique / Atlantic)

Claramente influenciado pelo novo rock e os temas dançantes que vinham embalando os trabalhos de nomes como Franz Ferdinand, Bloc Party e The Rapture, Bobby Gillespie decidiu fazer de Beautiful Future o princípio de uma nova fase na carreira do Primal Scream. Não por acaso, o músico escocês dividiu a produção do álbum entre Paul Epworth (The Futureheads, Maxïmo Park) e Björn Yttling (Lykke Li, Peter Bjorn and John), dois dos principais responsáveis pela recente transformação do rock europeu. Prova disso está na frenética Can’t Go Back, possivelmente uma das canções mais executadas da banda no novo século e um precioso indicativo do material explorado no restante da obra. Surgem ainda composições como The Glory of Love e a própria faixa-título do disco, perfeita representação do som melódico, pop e pulsante, que orienta o trabalho do grupo até o último acorde. O destaque acaba ficando por conta da série de colaborações que recheiam o álbum. Um caminho aberto para a passagem de nomes como Lovefoxxx (Cansei de Ser Sexy), Josh Homme (Queens of the Stone Age) e a cantora Linda Thompson, essa última, responsável pelos vocais em Over & Over.

 

#06. More Light
(2013, Ignition)

Do momento em que tem início na psicodélica 2013 até alcançar a derradeira It’s Alright, It’s OK, More Light se revela como um dos trabalhos mais complexos e, ainda assim, acessíveis de toda a discografia do Primal Scream. Trata-se de uma clara colisão de ideias e fórmulas instrumentais, como se Bobby Gillespie e os parceiros de banda fossem do krautrock da década de 1970 aos experimentos eletrônicos do início dos anos 1990. Um som colorido, mágico, como um parcial regresso ao mesmo conceito criativo detalhado em obras como Vanishing Point (1997) e XTRMNTR (2000). Pop na medida certa, More Light amplia parte do conceito dançante detalhado no antecessor Beautiful Future (2008), porém, utiliza de experimentos improváveis como um poderoso elemento de reforço para o restante da obra. São pouco menos de 70 minutos em que o álbum produzido por David Holmes (U2, Manic Street Preachers) transporta o ouvinte para diferentes cenários, fazendo da constante ruptura o principal componente da obra.

 

#05. Evil Heat
(2002, Sony / Columbia)

Em março de 2016, durante a divulgação de Chaosmosis, Bobby Gillespie foi convidado pela Noisey a organizar toda a discografia do Primal Scream do pior para o melhor álbum. Com uma ordem no mínimo “confusa” — Screamadelica, por exemplo, acabou em 5º colocado da lista —, Gillespie aproveitou para confessar o forte apreço pelo experimental Evil Heat. Por vezes esquecido dentro da extensa obra do grupo escocês, o trabalho produzido no início dos anos 2000 nasce como uma clara tentativa do músico em expandir o som originalmente testado no antecessor XTRMNTR (2000). São 11 faixas e pouco mais de 40 minutos em que Gillespie e um vasto time de colaboradores vai da neo-psicodelia ao rock industrial, fazendo de cada música uma sobreposição de ideias tortas. Entre versos políticos, como em Rise — música originalmente intitulada Bomb the Pentagon, porém, rebatizada após os atentados de 11 de Setembro —, e versos existencialistas, a banda escocesa convida o ouvinte a se perder em um caótico território de ambientações urbanas, reflexo da forte influência de Kevin Shields (My Bloody Valentine) durante todo o processo de realização da obra. O álbum ainda contaria com a presença da modelo Kate Moss em Some Velvet Morning, síntese do braço eletrônico do disco.

 

#04. Give Out But Don’t Give Up
(1994, Creation / Sire)

Bobby Gillespie nunca escondeu o fascínio que sentia pela obra dos Rolling Stones, porém, nunca antes todas essas referências foi exploradas de maneira tão explícita quanto nas canções de Give Out But Don’t Give Up. Sucessor da obra-prima da banda, Screamadelica (1991), o trabalho de 12 faixas passeia pelo country rock, blues, soul e funk dos anos 1970, dialogando não apenas com a obra de Mick Jagger e seus parceiros de banda, como bebendo de forma explícita da música norte-americana. Não por acaso, Gillespie decidiu trabalhar apenas com produtores estadunidenses durante as gravações do disco. Nomes como David Bianco, Tom Dowd, George Drakoulias e, principalmente, o veterano George Clinton, responsável por transportar a essência do Parliament-Funkadelic para dentro do disco. Com versos assinados em parceria com Andrew Innes e Robert Young, Give Out But Don’t Give Up nasce como uma obra marcada pela coletividade dos arranjos e versos, conceito reforçado no imenso time de instrumentistas, vozes femininas e colaboradores que surgem ao longo do disco. Da imagem de capa assinada pelo fotógrafo William Eggleston, ao refinamento de músicas como Rocks, (I’m Gonna) Cry Myself Blind e Free, um trabalho que reflete a grandiosidade e cuidado do Primal Scream na composição de cada fragmento.

 

#03. Vanishing Point
(1997, Creation / Reprise / Warner Bros.)

De todos os trabalhos produzidos pelo Primal Scream na década de 1990, Vanishing Point talvez seja aquele em que as referências da banda escocesa ecoam com maior naturalidade. Experimentações climáticas que dialogam com a obra de veteranos do krautrock — principalmente Neu! e Can —; passagens breves pelo dub/reggae; melodias etéreas que flertam com os primórdios da música ambiente. O próprio conceito poético e título da obra busca inspiração no filme homônimo de 1971 — homenagem detalhada na terceira faixa do disco, Kowalski, música que utiliza de fragmentos da película dirigido por Richard C. Sarafian. São pouco de 50 minutos que Bobby Gillspie e os produtores Brendan Lynch e Andrew Weatherall parecem resgatar a mesma atmosfera criativa detalhada em Screamadelica (1991). A diferença está na forma como o disco lentamente acelera, cresce e muda de forma durante a execução das faixas. Um curioso desvendar de ideias que tem início em Burning Wheel, reinterpreta a clássica faixa-título do Motörhead, utiliza de samples de Funkadelic e Lee “Scratch” Perry, deixando o caminho livre para o som que viria a ser aprimorado no trabalho seguinte da banda, XTRMNTR (2000).

 

#02. XTRMNTR
(2000, Creation)

Intenso. Do momento em que tem início em Kill All Hippies, passando pela construção de faixas como Accelerator, Swastika Eyes (Jagz Kooner Mix) e Pills, XTRMNTR, sexto álbum de estúdio do Primal Scream, faz de cada composição uma frenética sobreposição de ideias e tendências extraídas de diferentes campos da música. Composições que bebem da Big Beat inglesa, reflexo da forte interferência da dupla The Chemical Brothers, resgatam as texturas sujas do My Bloody Valentine na breve interferência do guitarrista Kevin Shields e ainda ampliam toda a massa de temas eletrônicos, ruídos e samples aprimorados pelo próprio Primal Scream durante a produção do antecessor Vanishing Point. Produzido em um intervalo de quase dois anos e contando com a presença de nomes como Bernard Sumner (New Order, Joy Division) e Gary “Mani” Mounfield (The Stone Roses), XTRMNTR parece elevar a obra do grupo escocês a um novo patamar, resgatando e, ao mesmo tempo, desconstruindo tudo aquilo que Bobby Gillespie vinha experimentando desde Screamadelica (1991). Um imenso labirinto criativo que vai do rock sujo dos anos 1980 aos temas “futurísticos” dos anos 2000 de forma visionária, ditando tendência para o som que viria a ser explorado por nomes como Kasabian, Foals e toda uma infinidade de novatos.

 

#01. Screamadelica
(1991, Creation / Sire)

Em fevereiro de 1990, Bobby Gillespie apresentou ao público um inusitado remix do produtor britânico Andrew Weatherall para a já conhecida I’m Losing More Than I’ll Ever Have. Parte do segundo álbum de inéditas do Primal Scream, a canção rebatizada com o título de Loaded não apenas veio encorpada pela inserção de frases do ator Peter Fonda no filme Os Anjos Selvagens (1966), como reforçou a busca do grupo escocês pela produção do um som ainda mais dançante, mágico. Mais do que um ato isolado, a canção seria o ponto de partida para o terceiro trabalho de estúdio do grupo, o hoje clássico Screamadelica. Fortemente influenciado pela na música eletrônica que tomava conta da Europa naquele período, o álbum de 11 faixas, seis delas trabalhadas como singles, mergulha em um colorido oceano de pura lisergia, diálogos com a música psicodélica dos anos 1960 — principalmente o clássico Pet Sounds (1966), dos Beach Boys —, além de ambientações sintéticas típicas da recém-criada Acid House. Produzido em parceria com um time seleto de artistas, caso da dupla The Orb, Hugo Nicolson e Jimmy Miller, Screamadelica segue em uma medida de tempo própria, revelando faixas como a preciosa Slip Inside This House, o flerte com a música gospel em Come Together e pequenas experimentações, como na extensa Higher Than the Sun (A Dub Symphony in Two Parts). Resultado do consumo excessivo de drogas por parte de Gillespie e seus parceiros, a obra-prima do Primal Scream ainda viria a influenciar uma variedade de outros artistas, caso de Daft Punk, Massive Attack, The Chemical Brothers e demais nomes que cresceram no final dos anos 1990.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.