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A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Vale ressaltar que além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado da lista muito mais democrático e pontual.
Uma das mais influentes e queridas bandas já surgidas na história recente da música, os Beatles foram os escolhidos para serem listados em nossa nova seção. Formado em Liverpool, Inglaterra, no ano de 1960, o quarteto composto por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr não custou a chamar as atenções do público, fazendo dos dez anos de produção contínua um ponto de transformação constante para a música – independente de gênero. Do começo de carreira influenciado pela relação entre o pop e o rock, aos ensaios psicodélicos que apresentaram clássicos como Revolver, Sgt. Pepper e Abbey Road, o grupo britânico fez do curto tempo de atuação um universo à parte e ainda assim um ambiente a ser compartilhado por gerações.
Antecipando tendências – sonoras e visuais -, além de definir estratégias ainda hoje aplicáveis à industria musical, a banda teve cada um dos trabalhos de estúdio organizados do pior para o melhor em uma das seleções mais difíceis do nosso especial. Por se tratar de um grupo tão adorado, cada leitor provavelmente deve ter sua própria lista de prediletos, logo, se você discorda da nossa seleção final, os comentários estão abertos para que cada um monte a própria ordem dos discos.
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#13. Yellow Submarine
(1969, Apple)
O fanatismo em torno dos Beatles faz com que alguns registros de menor qualidade passem despercebidos como “obras-primas” no catálogo do grupo. É o caso de Yellow Submarine. Lançado em 1969, no auge da maturidade da banda, o álbum vem com a função de reproduzir a trilha sonora do filme homônimo, lançado no ano anterior. Espécie de coletânea e ainda assim um trabalho de inéditas, o registro divide no Lado A composições assinadas pelo quarteto, enquanto a outra metade do registro incorpora faixas de autoria de George Martin. Com essa visível divisão entre os lados, o trabalho ecoa irregularidades em totalidade com a banda tentando amarrar os elementos – poéticos e musicais – da obra em um universo de conceitos, mas que segue de forma não coesa até o último instante. Além do uso saturado de efeitos, samples e vozes modificadas, o trabalho se perde visivelmente em exageros psicodélicos e versos quase pueris, fazendo do álbum uma sequência de sons incertos até o fechamento da obra.
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#12. Beatles For Sale
(1964, Parlophone)
Parte expressiva no sucesso dos Beatles não estava diretamente relacionada ao som proposto em cada álbum, mas à forma como Brian Epstein e a gravadora por trás da banda pareciam moldar comercialmente o quarteto. Com a chegada de Beatles For Sale, quarto trabalho de estúdio da banda, toda essa exposição foi levado ao extremo. Assumidamente um registro feito para “vender” a banda, o cômico título dava início ao processo de maturação dos britânicos, ainda íntimos dos sons proclamados desde Please Please Please Me, porém, atentos a toda uma nova carga de referências e tendências a serem exploradas. Embora bem recebido, trata-se da obra menos popular do quarteto, resultado de uma sequência de versões – como Rock and Roll Music, de Chuck Berry -, e outras faixas ambientadas dentro de um limite instrumental claro. Lançado poucos meses depois de A Hard Day’s Night, Beatles For Sale vinha como uma espécie de continuação natural do trabalho anterior, o que explica as pequenas redundâncias em torno da obra.
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#11. With the Beatles
(1963, Parlophone)
Mesmo gravado às pressas, With The Beatles deixa mais do que claro o domínio do quarteto britânico em estúdio, mesmo em começo de carreira. Segundo registro oficial da banda, o trabalho se mantém confortável em uma estrutura de versos bem aproveitados, harmonias de vozes e guitarras impulsionadas pelo esforço ao vivo das gravações. Típico produto da época em que foi lançado, o álbum invoca no uso de composições pop o princípio para faixas como All My Loving e It Won’t Be Long, músicas que mesmo tímidas em relação aos inventos posteriores da banda, mantém constante a capacidade em atender as exigências do público durante toda a extensão. Primeiro álbum a vender um milhão de cópias no Reino Unido, o disco seria a obra escolhida para apresentar o quarteto ao público estadunidense, dando início à febre que ocuparia o mundo todo em poucos tempo. A capa do disco, uma fotografia de Robert Freeman, viria a se transformar em um dos registros visuais mais simbólicos da carreira do grupo.
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#10. Please Please Please Me
(1963, Parlophone)
A boa repercussão em torno da obra dos Beatles em solo britânico era clara e cada vez maior. Com algumas composições em lugar de destaque nas paradas de sucesso e uma sequência de shows cada vez mais concorrida pelo público, gravar o primeiro registro em estúdio era apenas questão de tempo. Com um orçamento de 400,00 Libras e algumas horas em estúdio, viria em 1963 Please Please Please Me, primeiro álbum da banda e uma completa representação de tudo o que definia a fase inicial do quarteto. Recheado por versões para músicas de destaque da época – entre elas Twist and Shout e Baby It’s You -, o trabalho trouxe na composição de faixas autorais a verdadeira identidade de seus integrantes. Estão lá velhas conhecidas do público, como a própria faixa título e P.S. I Love You, composições resgatadas para a estreia definitiva da banda e ponto de reforço para a carga de novas canções derramadas pela obra. Típico produtor musical da época, o disco não custou a atrair as atenções dos ouvintes, sendo o primeiro passo para a dominação musical que viria dali alguns anos.
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#09. A Hard Day’s Night
(1964, Parlophone)
Primeiro trabalho livre de versões e assinado em totalidade pelo grupo, A Hard Day’s Night deixa claro a capacidade do quarteto britânico em brincar em estúdio e produzir verdadeiros arrasa-quarteirões para o público. Lançado no momento em que a banda já era querida internacionalmente, o registro incorpora em cada composição um esforço individual dos integrantes, músicos que lentamente se distanciam do pop rock adolescente dos dois primeiros discos em busca de algo maior. Com John Lennon experimentando na guitarra e Paul McCartney brincando com as melodias, o registro seria a base para o que viria de forma muito mais resolvida no ano seguinte, com a dobradinha Help! (1965) e Rubber Soul (1965). Ainda assim é visível o comprometimento da banda com o que estava em voga na época. São composições tolas, porém acessíveis (como If i Fell), letras de esforço pegajoso (vide I’m Happy Just to Dance With You) e uma coleção de pequenos clássicos que mais uma vez contribuíram para o fenômeno da Beatlemania. Lançado como parte do filme de mesmo nome – no Brasil apresentado como Os Reis do Iê Iê Iê -, o disco era a comprovação da capacidade do grupo em se moldar de acordo com as exigências do mercado, ponto de consolidação também para Brian Epstein, produtor do grupo e principal responsável por todo esse efeito.
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#08. Help!
(1965, Parlophone)
Morada de algumas das maiores composições já lançadas pela banda, Help! veio como um ponto decisivo para a consolidação do grupo britânico. Menos impulsionado pelo teor adolescente dos álbuns de estreia, o disco força com naturalidade o quarteto a brincar com as composições em um sentido de descoberta, reforço claro nos versos de Yesterday, a canção mais regravada da história, e no instrumental que preenche toda a obra. Despretensioso e ainda assim parte importante na construção climática do filme homônimo lançado no mesmo ano, o trabalho posiciona a banda em um meio termo comercial entre o rock leve dos primeiros discos e a maturidade que viria logo em seguida. Apostando em uma carga maior de instrumentos, inclusive Ringo Starr, com um esforço na percussão do registro, Help! se esquiva de todos os clichês que acompanhavam o grupo na época, resultando em um cardápio de experiências musicais abrangentes. No mesmo ano, John Lennon e George Harrison usariam LSD pela primeira vez, definindo o cenário que viria a ser explorado a partir de Rubber Soul.
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#07. Let It Be
(1970, Apple)
A instabilidade era constante durante a construção de Let It Be. Com cada membro interessado em seguir por um caminho individual, desentendimentos constantes e a necessidade de Paul McCartney em explorar um regresso ao vivo da banda, o trabalho se arrastou durante um longo período de gravações. Captado em parte durante uma apresentação no telhado dos estúdios da Apple – a última aparição pública da banda -, o trabalho trouxe na pós-produção assinada por Phil Spector um complemento natural para as faixas. Por conta da dificuldade de relacionamento entre os integrantes, o trabalho só viria a ser lançado em 1970, meses depois de Abbey Road, última colaboração em estúdio do grupo. Ainda que seja consumido pelas brigas de seus realizadores, o álbum se esquiva dos erros com propriedade, revelando um arsenal de clássicos. Estão lá faixas como Across The Universe, Get Back e a faixa-título, canções que parecem divididas entre a essência em começo de carreira e a maturidade alcançada posteriormente. Acompanhado por um documentário, o registro entregaria ao mundo os últimos instantes dos Beatles quanto banda.
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#06. Magical Mystery Tour
(1967, Parlophone)
Partindo exatamente de onde os Beatles haviam estacionado em Sgt. Pepper, Magical Mystery Tour é mais do que uma trilha sonora para o filme homônimo lançado naquele ano, mas uma extensão natural dos inventos propostos pela banda. Com os integrantes cada vez mais corrompidos pelo LSD, surgem por todos os lados imagens nonsenses e temáticas abstratas, combustível para o universo fantástico proposto por Paul McCartney e incorporado com acerto pelo restante da banda. Morada de faixas essenciais para a fase psicodélica da banda – como I Am the Walrus, Strawberry Fields Forever e All You Need Is Love -, o álbum segue até o último instante coberto por efeitos, overdubs e uma carga de temáticas musicais ainda hoje aproveitadas por grupos como The Flaming Lips e Animal Collective. Um dos projetos mais influentes da época – inclusive em relação ao humor nonsense que viria a alimentar a formação do Monty Python -, Magical Mystery Tour seria lançado como um EP duplo na Inglaterra e em LP nos Estados Unidos, sendo um misto de registro de inéditas e coletânea ao mesmo tempo.
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#05. Rubber Soul
(1965, Parlophone)
A maturidade chegou para os Beatles em Rubber Soul. Com um tempo maior para trabalhar em estúdio, a banda fez dos quatro meses de gravação do álbum um princípio de descoberta. Passo seguro para a psicodelia que viria a acompanhar o grupo pelos próximos registros, o disco distancia com propriedade a banda da atmosfera pop construída previamente, abrindo espaço para o experimento em uma medida natural. Fazendo uso de um catálogo de instrumentos cada vez maior e efeitos criativos acumulados em estúdio, a banda usa do álbum como um mecanismo de invenção constante, proposta que alimenta com beleza músicas como In My Live e I’m Looking Through You. Cada vez mais próximos das drogas, principalmente a maconha, a banda usa do registro como um bloco de sons atmosféricos, amarrando todas as canções em um mesmo cenário musical – algo inédito em outros registros da época. Confessional e melancólico, Rubber Soul revela aspectos amargos da vida de cada integrante, sendo uma abertura para o detalhamento lírico que viria a acompanhar a banda pelos próximos lançamentos. Era apenas a abertura da fase mais rica da banda.
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#04. The Bealtes (The White Album)
(1968, Apple)
Diferenças filosóficas, musicais e pessoais guiavam o quarteto desde a alvorada criativa em Revolver (1966). Mesmo caminhando em direções cada vez mais opostas, ao se encontrar em estúdio, o quarteto parecia estabelecer algum conforto, ou talvez uma mínima aproximação conceitual. Com o nono registro em estúdio, popularmente estabelecido como The White Album, é onde todas essas direções individuais começam a se definir com maior visibilidade. Álbum duplo, o trabalho amarra em cada uma das composições um esforço particular de seus integrantes, que longe do invento temático construído no trabalho anterior, Sgt. Pepper, assumem uma identidade criativa própria, quase fechada. Dentro desse jogo de opostos cresce a raiva instrumental de Helter Skelter, a poesia adulta de John Lennon em Revolution 1, as orquestrações de George Harrison em While My Guitar Gently Weeps e toda uma colagem de sons inexatos que contribuem para o turbilhão musical que alicerça a obra. Ainda que desconcertante em relação aos últimos detalhamentos incorporados pela banda, o registro foi bem recebido, tanto pelo público quanto pela crítica, vendendo milhões de cópias mundo afora e se transformando em uma das obras mais emblemáticas da discografia do grupo.
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#03. Abbey Road
(1969, Apple)
É curioso observar o quanto o caos se comporta de forma criativa nas composições que resumem Abbey Road. Último registro gravado em estúdio pela banda – Let It Be, gravado meses antes, só viria a ser lançado no ano seguinte -, o álbum floresce em meio ao completo desentendimento entre os integrantes, que entre explosões egocêntricas e conceitos particulares, estranhamente parecem confortáveis no ambiente preparado para o disco. Ainda impulsionado pela morte de Brian Epstein, o disco, produzido por George Martin, ameniza lentamente as irregularidades de seus integrantes, que assumem um esforço individual, característico do que viria a guiar a fase solo de cada um. Musicalmente coeso, o trabalho reforça a maturação de George Harrison, responsável por algumas das canções mais importantes da obra – entre elas Here Comes the Sun e Something – e pela composição do caráter agridoce dos sons. Comercialmente bem recebido – trata-se do disco mais vendido dos Beatles -, Abbey Road é a base para uma centena de obras vindouras com foco no Rock Progressivo, tendo a capa icônica repetida por uma infinidade de outros artistas e representantes da cultura pop.
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#02. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band
(1967, Parlophone)
Desde o lançamento de Rubber Soul, em 1965, a maturidade era visível dentro do trabalho do The Beatles, cada vez mais distante do propósito excessivamente jovial apresentado em 1963 no debut Please Please Please Me. Com a chegada de Revolver (1966), as experiências lisérgicas do quarteto e uma necessidade natural em se reinventar, era apenas questão de tempo até que o grupo apresentasse algum registro de maior destaque, feito alcançado com louvor em junho de 1967, com o lançamento do icônico Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Da capa carregada de cores e referências ao propósito conceitual que se instala logo na abertura do disco, cada faixa do álbum não representa apenas uma transformação na carreira da banda, mas para a música de forma geral. Princípio para aquilo que o grupo e uma centena de outros artistas viriam a desenvolver, o registro se divide em instantes de plena descoberta instrumental (Lucy in the Sky with Diamonds) e poética (A Day in the Life), abastecendo um dos catálogos mais ricos de toda a história da música.
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#01. Revolver
(1966, Parlophone)
Longe dos palcos e com um tempo maior para experimentar em estúdio, a busca por novos horizontes instrumentais e poéticos serviam como princípio para a nova fase da banda. Melodicamente perfeito, Revolver, lançado em agosto de 1966, conseguiu acumular todos os acertos prévios da banda e ainda assim ir além. Assustado com as transformações impostas meses antes pelo The Beach Boys em Pet Sounds, Paul McCartney assumiu um esforço particular na construção do álbum, esculpindo melodias detalhistas e aproveitando de overdubs típicos dos assinados por Brian Wilson. Entre composições de efeito pueril (Yellow Submarine) e canções marcadas pela seriedade romântica dos temas (Here, There and Everywhere), o álbum segue até o último instante em um jogo de sons polidos, involuntariamente encantadores.
Do arranjo de cordas inédito em Eleanor Rigby aos riff de Taxman, da experimentação lisérgica em Tomorrow Never Knows ao pop melódico de Good Day Sunshine, cada etapa do registro torna clara a mobilidade do grupo, hábeis em transitar por diferentes terrenos de forma harmônica, tomada pelo ineditismo. Sustentado como uma obra de vertentes distintas, mesmo passadas mais de quatro décadas desde o lançamento, o disco ainda serve como base para uma série de obras recentes, indo das vocalizações do Fleet Foxes aos distúrbios psicodélicos do Tame Impala. Se as cores de Sgt. Pepper levaram o quarteto à consagração, é com Revolver que a banda de fato parece ter se encontrado, lançando as bases para o que seria repetido até o fim do grupo – ou mesmo além dele.
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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.
Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.