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Crítica

ÀIYÉ

: "Transes"

Ano: 2023

Selo: Balaclava Records

Gênero: Eletrônica, Art Pop, MPB

Para quem gosta de: Luiza Lian e MC Tha

Ouça: Onda, Xangô e Exu (Tenho Fome)

8.3
8.3

ÀIYÉ: “Transes”

Ano: 2023

Selo: Balaclava Records

Gênero: Eletrônica, Art Pop, MPB

Para quem gosta de: Luiza Lian e MC Tha

Ouça: Onda, Xangô e Exu (Tenho Fome)

/ Por: Cleber Facchi 27/04/2023

Cheguei à conclusão que esse é disco é uma encruzilhada“, reflete Larissa Conforto, a ÀIYÉ, logo nos minutos iniciais de Transes (2023, Balaclava Records). Muito embora essa percepção esteja diretamente relacionada às vivências da artista dentro da umbanda, difícil não pensar no primeiro álbum de estúdio da cantora, compositora, produtora e percussionista carioca como um ponto de convergência para que diferentes referências estéticas, rítmicas e poéticas sejam cuidadosamente entrelaçadas. Um permanente cruzamento de ideias que vai da montagem das composições à diversidade expressa na imagem de capa.

Partindo desse abordagem, cada fragmento do disco se revela ao público como um objeto de estudo. São canções montadas a partir de diferentes componente rítmicos, manifestações da forte religiosidade de Conforto e pequenas exposições sentimentais que ampliam o repertório entregue no registro anterior, o EP Gratitrevas (2020). “Cê fica mais linda sem essa onda de caça e caçador / Solta esse carão, deixa eu te chamar de amor“, canta na introdutória Onda, música que não apenas soa como um convite para o restante da obra, como encanta pela colorida sobreposição de elementos, destacando a versatilidade de ÀIYÉ.

Claro que toda essa combinação de ritmos e diferentes propostas criativas vez ou outra esbarra em um resultado prejudicial para o desenvolvimento do trabalho. Em Diablo XV, por exemplo, percebemos uma pulverização da identidade de Conforto, fazendo com que a canção, cantada inteiramente em espanhol, soe como uma releitura pouco expressiva das criações de artistas como Rosalía e Arca. Ainda assim, vem desse caráter exploratório e capacidade da artista em transitar por entre estilos o estímulo para algumas das principais composições que orientam a experiência do ouvinte durante toda a execução do material.

Oitava faixa do disco, Xangô funciona como uma boa representação desse resultado. São pouco menos de três minutos em que Conforto parte de espaço ritualístico, destacando o encaixe dos atabaques, para estreitar relações com o pop em uma abordagem sempre distorcida, torta. Esse mesmo cruzamento de informações fica ainda mais evidente em Exu (Tenho Fome), composição que utiliza de uma abordagem essencialmente contida nos minutos iniciais, porém, ganha forma e cresce, destacando uso de texturas sintéticas e versos que funcionam como um componente rítmico, conceito que se repete ao longo da obra.

Mesmo quando desacelera momentaneamente, como na delicada Flui, prevalece a riqueza dos detalhes e minucioso processo de composição que se engrandece pela interferência do coprodutor Diego Poloni. Enquanto os versos, reforçados pela participação de Alejandra Luciani, da banda Carabobina, destacam o lado contemplativo da obra, batidas sempre calculadas e ambientações sutis concedem ao disco um caráter labiríntico. A própria faixa de encerramento, com vozes que ecoam como mantras, transportam o ouvinte para um novo território criativo, indicativo da completa fluidez da artista no repertório de Transes.

Dessa forma, contrariando o próprio sobrenome, Conforto garante ao público um registro deliciosamente inquieto. Da potência das batidas, passando pela escolha dos temas que vão de entidades religiosas a conflitos sentimentais, evidente é o esforço da cantora em testar os próprios limites dentro de estúdio, porém, estabelecendo pequenas amarras conceituais que contribuem para a formação de uma obra consistente. É como a passagem para um universo particular. Uma soma das vivências, sonoridades e crenças que há tempos orientam as criações da artista carioca e consolidam sua identidade como ÀIYÉ.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.