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Crítica

Alvvays

: "Blue Rev"

Ano: 2022

Selo: Polyvinyl / Transgressive

Gênero: Indie Rock, Shoegaze

Para quem gosta de: Snail Mail e Soccer Mommy

Ouça: Pharmacist e Easy On Your Own?

8.6
8.6

Alvvays: “Blue Rev”

Ano: 2022

Selo: Polyvinyl / Transgressive

Gênero: Indie Rock, Shoegaze

Para quem gosta de: Snail Mail e Soccer Mommy

Ouça: Pharmacist e Easy On Your Own?

/ Por: Cleber Facchi 10/10/2022

Quem ouve as canções de Blue Rev (2022, Polyvinyl / Transgressive) não imagina o quão caótico foi o processo de criação do terceiro álbum de estúdio do Alvvays. Poucas semanas após o lançamento de Antisocialites (2017), segundo registro de inéditas da banda, a cantora, compositora e guitarrista Molly Rankin deu início ao processo de gravação de um novo repertório. Entretanto, parte expressiva das composições tiveram de ser refeitas quando um ladrão invadiu o apartamento da musicista canadense e roubou o gravador onde vinha registrando o material. Soma-se a isso uma inundação que quase destruiu os equipamentos do grupo e a impossibilidade de excursionar por conta da pandemia de Covid-19. Era como se tudo contribuísse para o que o disco simplesmente não existisse ou fosse abandonado pela artista.

De um jeito ou de outro, Rankin, que ainda viveu uma forte crise emocional, soube como transportar para dentro de estúdio parte dessas experiências e imprevisível processo de criação. E isso se reflete não apenas no forte aspecto melancólico das letras, conceito que tem sido explorado desde o autointitulado registro de estreia da banda, mas no uso ruidoso dos elementos e fluidez desordenada do material. Não por acaso, Pharmacist foi a canção escolhida para anunciar a chegada do disco. Pouco mais de dois minutos em que versos consumidos pelos sentimentos se espalham em meio a guitarras carregadas de efeitos, quebras e sobreposições, lembrando as criações do My Bloody Valentine no barulhento Loveless (1991).

E ela não é a única. Durante toda a execução do trabalho, Rankin, agora acompanhada de Alec O’Hanley (guitarras, teclados, baixo), Kerri MacLellen (teclados, vozes), Sheridan Riley (bateria) e Abbey Blackwell (baixo), se concentra na formação de um repertório deliciosamente imprevisível, torto. São canções que começam pequenas, crescem de maneira desgovernada e assumem percursos pouco usuais, rompendo com a estrutura linear que parecia orientar o disco anterior. Mesmo quando utiliza de uma abordagem sutil, como na já conhecida Belinda Says, a artista rapidamente perverte qualquer traço de normalidade.

Embora marcado pela turbulência dos elementos, Blue Rev, que carrega no título o nome de uma bebida alcoólica canadense, sustenta na construção dos versos um precioso componente de aproximação entre as faixas. É como um delicado exercício de exposição sentimental. Composições que se aprofundam na inevitabilidade do fim e na forte sensação de abandono vivida pela artista canadense durante o período de isolamento social e construção do trabalho. “Se você não gosta, bem / Diga que acabou“, canta em Easy On Your Own?, música que sintetiza parte da melancolia e tormentos vividos por Rankin ao longo do registro.

Claro que esse maior aprofundamento sentimental não interfere na capacidade da artista em provar de novas possibilidades e diferentes temáticas durante toda a execução do trabalho. De reflexões sobre o comportamento masculino nas redes sociais, em Very Online Guy, passando por memórias de um passado distante, marca da agridoce Tom Verlaine, em que referencia o líder do Television, sobram momentos em Rankin amplia o próprio campo de atuação. Instantes em que o grupo canadense tende aos excessos, porém, disfarça possíveis exageros em meio a blocos consideráveis de ruídos e camadas de sintetizadores.

O mais interessante talvez seja perceber que mesmo dentro desse espaço marcado pela convergência de ideias e forte aspecto emocional, Rankin em nenhum momento se distancia do pop empoeirado que vem sendo produzido pelo Alvvays desde o primeiro trabalho de estúdio. São harmonias de vozes e letras cantaroláveis que continuam a ecoar na cabeça do ouvinte mesmo após o encerramento do registro. A diferença está na forma como a artista busca organizar essas informações de maneira inquietante. Um misto de sutileza e delicioso toque de provocação que acaba se refletindo do início ao fim do material.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.