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Crítica

ANOHNI and The Johnsons

: "My Back Was a Bridge for You to Cross"

Ano: 2023

Selo: Secretly Canadian

Gênero: Rock, Soul, Art Pop

Para quem gosta de: Perfume Genius e Björk

Ouça: It Must Change, Can't e Silver of Ice

9.0
9.0

ANOHNI and The Johnsons: “My Back Was a Bridge for You to Cross”

Ano: 2023

Selo: Secretly Canadian

Gênero: Rock, Soul, Art Pop

Para quem gosta de: Perfume Genius e Björk

Ouça: It Must Change, Can't e Silver of Ice

/ Por: Cleber Facchi 11/07/2023

No verão de 1992, enquanto estudava teatro experimental na Universidade de Nova Iorque, ANOHNI conheceu a ativista pelos direitos das pessoas LGBTQIAP+ Marsha P. Johnson. Mulher trans e um dos símbolos da Revolta de Stonewall, a drag queen seria encontrada morta seis dias após esse encontro nas águas do Rio Hudson, impactando fortemente a vida pessoal e artística da jovem inglesa que, ao formar sua banda no final da década de 1990, adotaria o nome “The Johnsons”. Mais de três décadas após a morte de Marsha, essa relação continua a orientar as criações da musicista, direcionamento que volta a se repetir e cresce significativamente com a chegada My Back Was a Bridge for You to Cross (2023, Secretly Canadian).

Como indicado no título da obra, em português, “minhas costas eram uma ponte para você atravessar“, o registro que tem produção assinada por Jimmy Hogarth (Amy Winehouse, Suzanne Vega) e arranjos em parceria com Leo Abrahams, Chris Vatalaro, Sam Dixon e Rob Moose, busca inspiração na vida e nas experiências de personagens que abriram caminho para que membros de grupos minorizados pudessem viver melhor. São canções que celebram conquistas, mas em nenhum momento rompem com o caráter político e forte sentimento de contestação, conceito reforçado logo na música de abertura, It Must Change.

Seu Deus está falhando com você, as coisas devem mudar / Dando-lhe o inferno / A verdade é que nosso amor / Vai ricochetear pela eternidade“, canta em uma delicada reflexão sobre o preconceito diário vivido por diferentes indivíduos e a importância do amor como um componente de transformação. É como uma extensão natural de tudo aquilo que ANOHNI havia testado em obras como I Am a Bird Now (2005) e The Crying Light (2009), porém, partindo de um claro exercício de enfrentamento, estrutura que se reflete não apenas na formação dos versos, mas no intenso direcionamento que embala a construção dos arranjos.

Exemplo disso pode ser percebido em Can’t. Enquanto os versos tratam sobre a necessidade de preservar e memória daqueles que partiram cedo demais (“Eu não quero que você esteja morto … Não posso reverter, não vou aceitar“), arranjos ascendentes, batidas e guitarras destacadas funcionam como um complemento direto à voz forte de ANOHNI. De fato, poucas vezes antes a artista pareceu tão entregue em estúdio quanto no repertório de My Back Was a Bridge for You to Cross. E isso pode ser percebido em diversos momentos do trabalho, como nas vozes quase berradas de Rest e na evidente potência de Scapegoat, música que reforça a instrumentação primorosa do material que busca inspiração em veteranos como Al Green e especialmente, Marvin Gaye, vide as conexões poéticas, sonoras e temáticas com What’s Going On (1971).

Muito embora regido pela força dos versos e temas incorporadas por ANOHNI, My Back Was a Bridge for You to Cross estabelece pequenos respiros criativos que destacam a sensibilidade e forte aspecto contemplativo da cantora. Em Silver Of Ice, por exemplo, a artista parte da última conversa que teve com Lou Reed (1942 – 2013) para mergulhar em uma faixa que trata sobre a efemeridade da vida e valor às coisas simples. Já outras, como There Wasn’t Enough, mesmo partindo de uma abordagem excessivamente contida, quase deslocada do restante da obra, chama a atenção pela letra que trata da pauta ambiental.

O resultado desse processo criativo está na entrega de um material essencialmente diverso, mas que em nenhum momento perde o controle. Mesmo que parte das canções pareçam ancoradas em temas e conceitos anteriormente testados pela cantora em outros registros, vide o repertório de HOPELESSNESS (2016), uma vez cercada pelos com velhos companheiros de banda, ANOHNI garante novo significado à própria obra. São composições em que a artista estabelece pontes em direção ao passado, porém, sustenta no forte caráter político dado aos versos um necessário senso de atualização e diálogo com o presente.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.