Image
Crítica

Arthur Nogueira

: "Brasileiro Profundo"

Ano: 2022

Selo: Independente

Gênero: MPB

Para quem gosta de: Adriana Calcanhotto e Qinhones

Ouça: Voo e Mansidão e Coração Desperdiçado

7.5
7.5

Arthur Nogueira: “Brasileiro Profundo”

Ano: 2022

Selo: Independente

Gênero: MPB

Para quem gosta de: Adriana Calcanhotto e Qinhones

Ouça: Voo e Mansidão e Coração Desperdiçado

/ Por: Cleber Facchi 17/02/2022

Primeiro álbum Arthur Nogueira em cinco anos, Brasileiro Profundo (2022, Independente) é uma obra de limites bem definidos. São arranjos econômicos que se revelam ao público em pequenas doses, como um complemento aos versos centrados em conflitos existenciais, relacionamentos instáveis e momentos de maior vulnerabilidade expostos pelo poeta. “Tantos anos pra poder dizer sim / Crer no nome que me deu / Minha mãe / E o céu é o mesmo / mistério sem fim“, reflete na introdutória Valente, música que parte da percussão de Thomas Harres para apontar a direção seguida ao longo do trabalho pelo artista paraense.

Esse mesmo som minucioso, como se tecido por mãos finas, ganha ainda mais destaque na faixa seguinte, Voo e Mansidão. Releitura da canção de mesmo nome apresentada pelo conterrâneo Pratagy, a música, completa pelo piano acústico de Zé Manoel e acréscimos instrumentais de Leonardo Chaves, produtor do disco, evidencia a capacidade de Nogueira em transitar por entre estilos, indo do pop ao hermetismo reducionista. Exemplo disso fica bastante evidente no combinação entre Tem Horas Que Pareço Eu e Treva Branca. Pouco menos de cinco minutos em que poeta vai da sutileza dos elementos ao ruidoso toque de provocação, proposta que se reflete tanto no uso das vozes como no tratamento dado aos arranjos.

Com a chegada da faixa-título, colaboração com o poeta Antonio Cicero, Nogueira preserva o mesmo direcionamento sutil que embala o registro, porém, estabelece na formação dos versos um precioso exercício de aprofundamento. Em uma abordagem quase tropicalista, o compositor discute a própria identidade a partir da fragmentação e uso contrastante dos elementos. “Um brasileiro profundo / É o que sou / Tenho em mim todas as raças / e nenhuma“, canta. É como um ensaio para a existencialista Mundo Aberto, música que cai no samba, evoca Paulinho da Viola e transporta o disco para um novo território.

Passado esse momento de breve agitação, Cabeça nas Nuvens abre passagem para o lado mais atmosférico e arrastado do trabalho. São melodias e vozes pálidas, proposta que segue o caminho apontado na introdutória Valente, porém, livre da percussão complementar. Nada que Coração Desperdiçado, logo em sequência, não de conta de solucionar. Enquanto os versos transbordam sentimentos – “Novo endereço / No mesmo lugar / Minha porta aberta / Pra você alcançar / E entrar” –, arranjos cuidadosos garantem maior profundidade ao material, conceito reforçado na música seguinte, Liberdade, faixa que partilha do mesmo reducionismo detalhista testado por Adriana Calcanhotto em Maritimo (1998) e Cantada (2002).

Ponto de transição para o bloco final do disco, Pássaro se distancia momentaneamente das vozes para potencializar os arranjos de cordas que contam com assinatura de Luiz Pardal. São inserções sublimes que funcionam como uma delicada introdução para a música a seguinte, Parque do Utinga. Livre de qualquer traço de urgência, a canção, assim como outros exemplares ao longo da obra, se revela ao público em uma medida própria de tempo, sem pressa. Mesmo a construção dos versos se articula de maneira fatiada, por vezes descritiva, proposta que convence e sufoca a experiência do ouvinte na mesma proporção.

Satisfatório perceber em Orlando, música de encerramento do disco, uma parcial fuga desse resultado. Inaugurada em meio a arranjos e vozes contidas, a faixa rapidamente ganha forma e cresce, ampliando os limites da obra. Sem necessariamente romper com a delicadeza que envolve as criações de Nogueira, camadas de guitarras e batidas se organizam em uma estrutura ascendente, servindo de alicerce para os versos. “Quero libertar / Quero acolher“, canta. É como uma soma de tudo aquilo que o artista busca desenvolver ao longo do trabalho e um convite a revisitar o material com novos ouvidos e interpretações.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.