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Crítica

Arthur Russell

: "Picture of Bunny Rabbit"

Ano: 2023

Selo: Audika

Gênero: Experimental

Para quem gosta de: Laurie Anderson e John Cale

Ouça: Not Checking Up e Picture of Bunny Rabbit

9.0
9.0

Arthur Russell: “Picture of Bunny Rabbit”

Ano: 2023

Selo: Audika

Gênero: Experimental

Para quem gosta de: Laurie Anderson e John Cale

Ouça: Not Checking Up e Picture of Bunny Rabbit

/ Por: Cleber Facchi 18/01/2024

Embora de difícil acesso, Wild Combination: A Portrait of Arthur Russell (2008), documentário do diretor Matt Wolf, ajuda a entender o intenso processo criativo vivido pelo cantor, compositor, produtor e multi-instrumentista Arthur Russell (1951 – 1992) em seus últimos anos de vida. Depois de ser diagnosticado como portador do vírus HIV após o lançamento do cultuado World of Echo (1986), o músico passou a investir em uma série de composições, parte expressiva delas inacabados, que culminou em um extenso arquivo com mais de mil fitas cassete, centenas de páginas de poesias e outros registros de sua obra.

No decorrer das últimas duas décadas, Tom Lee, companheiro de Russell e responsável pelo espólio do instrumentista, e Steve Knutson, diretor artístico e mente aos comandos da gravadora Audika, centrada no resgate da obra do cantor, revelaram ao público algumas das compilações mais tocantes envolvendo as criações do músico estadunidense. Enquanto registros como Calling Out of Context (2004) destacam a relação do compositor com o pop de vanguarda, outros, como Love Is Overtaking Me (2008) e Corn (2015), aportam em diferentes territórios criativos, indo do cancioneiro norte-americano à produção eletrônica.

Entretanto, mesmo nesse universo de grandes lançamentos que ajudaram a eternizar a obra de Russell, poucos registros parecem tão consistentes quanto Picture of Bunny Rabbit (2023, Anika). Mais recente coletânea envolvendo a obra do músico norte-americano, o trabalho chama a atenção não apenas pela forte aproximação entre as faixas, como o cuidado de Knutson na montagem do repertório. E isso tem um motivo: todas as canções que integram o disco foram concebidas durante as sessões que deram origem a World of Echo. São retalhos poéticos e instrumentais de um dos períodos mais inventivos do compositor.

Mais do que isso, Picture of Bunny Rabbit é um trabalho que passou por um método de organização bem diferente das antigas coletâneas de Russell. Enquanto os registros apresentados no decorrer dos anos 2000 foram concebidos a partir do exaustivo processo de escuta de Knutson e Lee, que se dedicaram a explorar as milhares de fitas gravadas pelo compositor, muitas delas com horas intermináveis de estudos sobre uma mesma canção, a recente coletânea segue um caminho diferente. São canções extraídas de testes de prensagem e outros materiais de estúdio, o que explica o maior refinamento das composições reveladas.

Claro que para além da maior limpidez no processo de audição do material, Picture of Bunny Rabbit é uma obra que chama a atenção pela versatilidade de músico. Enquanto composições como Not Checking Up destacam a sensibilidade poética do artista (“Mesmo que você não fale comigo / Eu ainda quero conhecer você / De alguma forma“), outras, como a extensa faixa-título, destacam a força criativa e capacidade do compositor em testar os limites da própria criação. São pouco mais de oito minutos em que o violoncelo de Russell se transforma em uma ferramenta totalmente volátil, mudando de direção a cada novo movimento.

Marcada pelo equilíbrio, Picture of Bunny Rabbit talvez seja a obra que melhor sintetiza a riqueza de ideias e capacidade de Russell em transitar por diferentes estilos com uma naturalidade única. Composições que alternam entre a calmaria e o caos, como um mergulho na mente inquieta do músico que, ao longo de sua curta trajetória, esteve envolvido em projetos completamente distintos, como o grupo de power pop The Necessaries ou o projeto de música disco Dinosaur L. É como um novo e curioso olhar para um repertório que mesmo ancorado em elementos bastante característicos e explorados de maneira talvez exaustiva ao longo das últimas duas décadas, como o uso das vozes e cordas ecoadas, ainda reserva boas surpresas.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.