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Crítica

Björk

: "Fossora"

Ano: 2022

Selo: One Little Independent

Gênero: Art Pop, Experimental

Para quem gosta de: Arca e FKA Twigs

Ouça: Atopos, Ancestress e Fossora

8.5
8.5

Björk: “Fossora”

Ano: 2022

Selo: One Little Independent

Gênero: Art Pop, Experimental

Para quem gosta de: Arca e FKA Twigs

Ouça: Atopos, Ancestress e Fossora

/ Por: Cleber Facchi 04/10/2022

Fossora (2022, One Little Independent), como tudo aquilo que Björk tem produzido desde os primeiros trabalhos em carreira solo, nasce como exercício criativo marcado pelo forte aspecto documental e vulnerabilidade dos temas. Composições que seguem por vias pouco convencionais, mas que ao serem organizadas, funcionam como um registro da vida sentimental da cantora, compositora e produtora islandesa. São histórias de amor, versos que tratam sobre o prazer feminino, rupturas e, no caso do presente álbum, uma reflexão sobre a inevitabilidade da morte, luto e a necessidade de seguir em frente.

Contraponto aos temas celestiais e doce romantismo que marca o registro anterior, Utopia (2017), Fossora, como o próprio título aponta – do latim, “escavadora” –, é um álbum terroso. São canções que destacam o uso quase industrial das batidas e estabelecem em raízes emocionais, sempre profundas, a base para parte expressiva do repertório apresentado pela artista. Parte desse resultado vem do processo de isolamento vivido pela cantora durante o período pandêmico, o retorno ao país de origem após décadas de incursão por diferentes localidades e principalmente a morte da própria mãe, a ativista Hildur Rúna Hauksdóttir.

Até agora, nós compartilhamos a mesma carne / Por mais que eu tentasse escapar / Isso não é um detrito medíocre / Essa é minha ancestral“, reflete em Ancestress, composição em que narra, ao lado do filho, Sindri Eldon, as últimas horas de vida de Hauksdóttir. A própria Sorrowful Soil, entregue minutos antes, é outra que impressiona pelo forte aspecto emocional e visceralidade dos versos, lembrando a crueza explícita nas canções de Vulnicura (2015), em que trata sobre a separação de Matthew Barney. “Nossas raízes são cavadas / Em solo doloroso“, detalha em meio a coros de vozes que funcionam como um mantra.

Embora presente durante toda a execução do trabalho, a morte é apenas o princípio de tudo aquilo que Björk busca desenvolver tematicamente nas canções de Fossora. Utilizando do universo dos fungos como importante componente criativo para o fortalecimento da obra, a artista trata sobre fins e recomeços de forma bastante sensível. Exemplo disso acontece na própria faixa-título do disco, em que utiliza de metáforas para discutir sobrevivência, hereditariedade e a necessidade de criar raízes – “Seus nervos se espalham como asas / Na velocidade de um micélio / Na atmosfera / Há esporos em todos os lugares“.

A própria base instrumental do disco funciona como uma representação desse resultado. São canções que encolhem e crescem a todo instante, reforçando o aspecto cíclico e estranho espalhamento que orienta a experiência do ouvinte. Primeira composição do disco a ser apresentada ao público, Atopos sintetiza com naturalidade tudo aquilo que Björk busca desenvolver ao longo da obra. É como um delirante cruzamento de informações, ritmos e vozes que invariavelmente acenam para o material entregue em Post (1995) e Homogenic (1997), mas que a todo momento regressam aos temas orquestrais e sopros que tem sido incorporados pela artista em sua fase mais recente, vide os espetáculos relacionados à turnê Cornucopia.

Tamanha convergência de informações resulta na entrega de uma obra tão provocativa quanto qualquer outro registro de Björk. Dessa forma, mesmo que pequenos excessos sejam percebidos durante toda a execução do material, como em Mycelia e na arrastada Ovule, música que pouco avança em relação aos temas românticos detalhados no disco anterior, prevalece a capacidade da cantora em tensionar a experiência do ouvinte. São composições que estreitam relações com diferentes colaboradores, como serpentwithfeet, Kasimyn e a própria filha, Ísadóra Bjarkardóttir Barney, mesmo preservando a essência criativa e delirante interpretação da artista sobre a nossa realidade e sentimentos sempre complexos.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.