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Crítica

BK

: "O Líder Em Movimento"

Ano: 2020

Selo: Pirâmide Perdida

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Djonga, Don L e Young Buda

Ouça: Visão, Movimento e Poder

8.5
8.5

BK: “O Líder Em Movimento”

Ano: 2020

Selo: Pirâmide Perdida

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Djonga, Don L e Young Buda

Ouça: Visão, Movimento e Poder

/ Por: Cleber Facchi 16/09/2020

O Líder Em Movimento (2020, Pirâmide Perdida), como tudo aquilo que Abebe Bikala, o BK, tem produzido desde a estreia com Castelos & Ruínas (2016), é um trabalho marcado por contrastes. Instantes de doce celebração que antecedem momentos de maior melancolia. A diferença em relação ao álbum que revelou músicas como Quadros, Sigo na Sombra e Caminhos está no discurso cada vez mais amplo e ainda consistente do rapper fluminense. Enquanto antes o artista parecia mergulhar nas próprias inquietações (“Eu conheci o mal, confesso que eu gostei / Minha visão mudou, quem eu sou? Me perdi“), hoje o direcionamento passa a ser outro. São fragmentos poéticos que passeiam por diferentes aspectos da nossa sociedade, como um avanço claro em relação ao material entregue no antecessor Gigantes (2018).

Eles mataram Pac, mataram Big / Eles querem matar um mano que resiste“, dispara logo nos primeiros minutos do disco, em Movimento, faixa que aponta a direção seguida até o último instante da obra. São versos sempre marcados pelo forte discurso político, crueza das rimas e personagens que tiveram suas vidas ceifadas quando deram voz às próprias inquietações. “Pense no preço que é fazer alguém pensar / Num mundo onde botam um preço na cabeça de quem pensa“, questiona mais à frente, estabelecendo pequenos diálogos com a história de Marielle Franco, Martin Luther King, Malcolm X e outros líderes de movimentos negros que foram assassinados pelo caráter contestador de suas ideias.

A mesma força presente no discurso acaba se refletindo em Visão, quarta faixa do disco e um indicativo claro do completo amadurecimento do rapper dentro de estúdio. Enquanto a base cíclica de JXNV$ e o baixo suculento de Magno Brito parecem pensados para sufocar o ouvinte, nos versos, BK reforça a temática racial presente em grande parte da obra. “Eles não entendem como nós fomos criados / Que é diferente nosso certo e errado À noite eles sonham, nós nem dormimos, isso é um pesadelo“, rima enquanto prepara o terreno para o discurso de Abdias do Nascimento (1914 – 2011), um dos principais ativistas do movimento negro no Brasil, no fechamento da canção.

Interessante notar que mesmo marcado pela crueza das letras, O Líder Em Movimento talvez seja o trabalho em que BK mais parece interessado em confortar o ouvinte. Exemplo disso acontece em Pessoas, oitava música do álbum. Inaugurada em meio a trechos de Minha Gente, parte do clássico Sonhos e Memórias (1972), de Erasmo Carlos, a música chama a atenção pelo toque esperançoso dos versos, como um contraponto ao lirismo soturno que embala o restante da obra. “Não duvide de onde podemos chegar / Nos subestime, isso vai te cegar / Vim te relaxar igual o verde na seda / Também abrir seus olhos, nunca vou te sedar“, rima. A própria faixa de encerramento, Universo, adota uma estrutura similar, surgindo como um respiro aliviado que vai da escolha das palavras à construção das batidas.

Se por um lado essa maior leveza garante ao disco um caráter acolhedor e parcialmente inédito dentro da curta discografia de BK, por outro, revela ao público músicas pouco expressivas ou que tropeçam na pieguice. É o caso de Megazord. Contraponto ao material entregue Poder, uma das principais músicas do álbum, a canção ganha forma em meio a versos que parecem melhor estruturados em outros momentos da obra, sufocando em meio a verbos no infinitivo que se repetem de forma quase previsível – “Eu que era frio, nunca pensei em me emocionar / Ao ponto de ver minhas lágrimas borbulhar“. É como se as rimas e temas abordados fossem pensados apenas para acompanhar a citação a Power Rangers que embala o refrão – “Juntos somos Megazord” –, tornando a experiência de ouvir a faixa arrastada. Claro que isso não interfere no minucioso processo de montagem dos arranjos, estrutura que se reflete no tratamento dado aos sintetizadores e formas instrumentais que crescem ao fundo da composição.

De fato, são essas pequenas inserções melódicas e batidas tortas, sempre atreladas aos versos, que fazem de O Líder Em Movimento um trabalho talvez mais interessante do que qualquer outro exercício criativo de BK. Do trecho declamado pela atriz Polly Marinho, logo na introdutória Movimento, passando por fragmentos de God Only Knows, do grupo norte-americano The Beach Boys, em Poder, ao uso de ambientações jazzísticas, tudo salta aos ouvidos. São retalhos instrumentais e poéticos que surgem e desaparecem durante toda a execução do álbum, reforçando a sensação de que estamos imersos em uma obra viva. Instantes em que o rapper preserva a mesma força e discurso presente nos discos anteriores, porém, partindo de um novo e bem-sucedido direcionamento conceitual.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.