Ano: 2021
Selo: Rough Trade
Gênero: Art Rock, Pós-Punk, Jazz
Para quem gosta de: Squid, Fontaines D.C. e Iceage
Ouça: John L, Chondromalcia Patella e Slow
Ano: 2021
Selo: Rough Trade
Gênero: Art Rock, Pós-Punk, Jazz
Para quem gosta de: Squid, Fontaines D.C. e Iceage
Ouça: John L, Chondromalcia Patella e Slow
Os últimos meses foram bastante tumultuados para os integrantes do Black Midi. Enquanto a banda se preparava para trabalhar na divulgação do introdutório Schlagenheim (2019), o avanço da pandemia de Covid-19 fez com que todas as apresentações do quarteto fossem canceladas, incluindo duas performances na capital paulista. Nesse meio tempo, Matt Kwasniewski-Kelvin, guitarrista e um dos vocalistas do grupo, decidiu se distanciar para tratar da própria saúde mental, reservando aos membros remanescentes, Geordie Greep (voz e guitarra), Cameron Picton (baixo, sintetizadores e vozes) e Morgan Simpson (bateria) a difícil tarefa de produzir o segundo disco de inéditas, feito consolidado com brilhantismo e fino toque de delírio nas canções de Cavalcade (2021, Rough Trade).
Verdadeiro abalroamento conceitual, rítmico e estético, proposta reforçada logo na imagem de capa do disco, o trabalho que conta com co-produção de Marta Salogni (The xx, Sampha) e John ‘Spud’ Murphy, nasce como um avanço frenético em relação ao material entregue durante o lançamento do primeiro álbum de estúdio do Black Midi. São estruturas fermentadas que escorrem por entre as brechas do registro. Massas tortas de ruídos e improvisos desconcertantes, estrutura que tende ao jazz, mas em nenhum momento se fecha em um espaço hermético e inacessível, efeito direto do completo domínio de Greep em não apenas conduzir, com manipular a audiência, convidada a se perder em um território que alterna entre momentos de maior calmaria e doce experimentação.
E isso fica bastante evidente em toda a porção inicial do registro. Com a turbulenta John L como faixa de abertura do álbum, o trio britânico apresenta, potencializa e quebra parte das regras que serão incorporadas até a música de encerramento do trabalho. São pouco mais de cinco minutos em que guitarras carregadas de efeitos se espalham em meio a batidas tortas, violinos assinados por Jerskin Fendrix, pianos de Seth Evans e sopros alucinados que escapam do saxofone de Kaidi Akinnibi, parceiro de longa data da banda. É somente com a chegada de Marlene Dietrich, segunda canção do disco, que o ouvinte é autorizado a respirar. Uma curva breve que antecede momentos de maior perturbação, proposta que tinge com natural incerteza cada mínimo fragmento da obra.
São justamente esses pequenos contrastes e quebras conceituais que tornam a experiencia de ouvir o trabalho tão satisfatória. Instantes em que o grupo vai de um canto a outro sem necessariamente fazer disso o estímulo para uma obra confusa, jogando com a interpretação do ouvinte de forma sempre provocativa. Exemplo disso acontece na abordagem delirante de Diamond Stuff e Dethroned. Pouco mais de 11 minutos em que o trio parte de uma base contemplativa, por vezes íntima das ambientações que marcam a fase final do Talk Talk, para mergulhar em um rock deliciosamente instável, torto. Canções que mudam de direção a todo momento, fazendo dessa imprevisibilidade um precioso componente de estímulo, proposta que se reflete até a derradeira Ascending Forth.
Claro que isso está longe de parecer uma novidade para quem há tempos acompanha o trabalho da banda. Desde a estreia, com Schlagenheim, que o grupo utiliza da contraposição entre as faixas como importante elemento rítmico. Em Cavalcade, a diferença está na forma como esse direcionamento contrastante se manifesta dentro de cada canção. É o caso da crescente Chondromalacia Patella e Slow. Enquanto os versos mergulham em questões existencialistas, como a efemeridade do corpo (“Perdendo aderência, outro gotejamento / Um novo resfriado“) e o peso da passagem do tempo (“Tempo diminuindo / Devagar devagar“), musicalmente, a banda parece testar os próprios limites dentro de estúdio. São estruturas não lineares que encolhem e crescem a todo instante, com se diferentes abordagens criativas fossem condensadas de maneira essencialmente irregular.
Tamanha cruzamento de informações, curvas e quebras rítmicas fazem de Cavalcade uma obra que naturalmente exige tempo até ser absorvida por completo pelo ouvinte. E não poderia ser diferente. Do momento em que tem início, na já citada John L, até alcançar a opulenta Ascending Forth, com seus arranjos diminutos e inserções orquestrais que se espalham por um intervalo de quase dez minutos, perceba a quantidade de informações que parecem diluídas pelo trio de instrumentistas dentro de estúdio. São canções que mudam de direção a todo instante, mesmo preservando no lirismo angustiado um importante componente de amarra conceitual. Uma delirante combinação de refinamento e perversão estética, tratamento que se reflete até o últimos segundo da obra.
Ouça também:
Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.
Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.