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Crítica

Boogarins

: "Manchaca Vol. 2"

Ano: 2021

Selo: OAR

Gênero: Rock Psicodélico, Experimental

Para quem gosta de: O Terno, Tagore e Bike

Ouça: Far and Safe, Basic Lines e Começa em Você

7.3
7.3

Boogarins: “Manchaca Vol 2.”

Ano: 2021

Selo: OAR

Gênero: Rock Psicodélico, Experimental

Para quem gosta de: O Terno, Tagore e Bike

Ouça: Far and Safe, Basic Lines e Começa em Você

/ Por: Cleber Facchi 29/04/2021

Quem esperava por uma coletânea de sobras nos moldes tradicionais, com ideias tortas e músicas desencaixadas, encontrou em Manchaca Vol. 1 (2020), último registro de inéditas da Boogarins, uma obra homogênea e um importante exercício criativo na carreira do grupo goiano. Concebido a partir de faixas que acabaram de fora dos experimentais Lá Vem a Morte (2017) e Sombrou Dúvida (2019), o trabalho sustenta na sonoridade liquefeita das guitarras e vozes submersas uma natural aproximação entre o repertório que revelou preciosidades como Inocência e Água. Canções essencialmente íntimas de tudo aquilo que o quarteto vinha testando desde As Plantas Que Curam (2013), porém, imersas em uma nova abordagem conceitual, efeito direto da colorida sobreposição de ritmos e formas instrumentais.

Interessante perceber em Manchaca Vol. 2 (2021, OAR), segundo e mais recente capítulo da série, uma parcial fuga do material entregue há poucos meses. Embora parta das mesmas gravações na casa alugada em Manchaca Road, ao sul de Austin, no Texas, onde a banda se instalou para uma residência artística no Hotel Vegas, o registro ganha novo tratamento e assume diferentes rumos ao incorporar fragmentos de outras sessões, como o ensaio de 2017 para Sombrou Dúvida, realizado no estúdio Fábrica de Sonhos, em São Paulo, e improvisos do quarteto goiano na Casa das Janelas Verdes, produzido no mesmo ano. Pouco mais de 40 minutos em que o grupo costura passado e presente da própria discografia, porém, deixando uma série de pontas soltas para os futuros lançamentos.

Nesse espaço marcado pelas possibilidades, Manchaca Vol. 2, assim como o registro que o antecede, se divide entre composições ainda inacabadas e faixas dotadas de maior refinamento. Exemplo claro desse segundo grupo pode ser percebido logo na introdutória Começa em Você. Trata-se de uma típica criação da Boogarins. Das vozes carregadas de efeitos de Dinho Almeida, passando pelas guitarras timbrísticas e experimentações de Benke Ferraz, tudo soa como uma evolução do mesmo rock lisérgico que tem sido aprimorado pelo quarteto desde o amadurecimento artístico em Manual (2015). A própria faixa de encerramento, Far and Safe, releitura em inglês com Erika Wennerstrom e John Schmersal para a já conhecida Te Quero Longe, cumpre com naturalidade essa função.

Entretanto, são justamente os momentos de maior imprevisibilidade e quebra dessa estrutura familiar que toram a experiência de ouvir o trabalho de fato satisfatória. Síntese clara desse resultado pode ser percebida em Basic Lines. Composta há bastante tempo, porém, arquivada pelos músicos, a faixa cantada em inglês parece transportar o público para um território pouco explorado pela banda. São pouco mais de quatro minutos em que o grupo parece brincar com a costura de ritmos, samples e vozes instrumentais que surgem e desaparecem durante toda a execução da faixa. Instantes em que o quarteto resgata parte da estética eletrônica de Lá Vem a Morte, porém, partindo de uma interpretação que muda de forma e cresce de maneira desconcertante a cada nova audição.

Vem desse mesmo bloco a curiosa Rolê Torto, produto dos improvisos na Fábrica de Sonhos, mas que chama a atenção pela atmosfera nostálgica incorporada pela banda, efeito direto dos sintetizadores e melodias soturnas que apontam para a produção dos anos 1980. Outra que se destaca é Eixão. Confessa homenagem de Raphael Vaz à cidade de Goiânia, a canção preserva a essência e parte da identidade melódica da Boogarins, porém, esbarra no mesmo pop psicodélico detalhado nas canções do Carabobina, projeto paralelo do músico em parceria com a cantora e engenheira de som venezuelana Alejandra Luciani. Mesmo a psicodélica Meto o Loco, minutos à frente, transita por entre experimentações eletrônicas e quebras pouco usuais dentro da curta discografia do grupo.

Concebido em um cenário de pandemia, com o acesso aos palcos ainda restrito, Manchaca Vol. 2 funciona como um presente ao público fiel da banda, porém, está longe de parecer um agrupamento aleatório de sobras e ideias talvez descartáveis, organizadas apenas para ocupar essa lacuna temporária. Como indicado durante o lançamento do volume anterior, cada composição do trabalho parece apontar a direção, mesmo que timidamente, para os próximos registros do quarteto goiano. Um campo aberto de novas possibilidades, delírios e improvisos que vai da construção dos arranjos ao uso inexato das das vozes, de experimentações com a música eletrônica ao diálogo com diferentes colaboradores, riqueza que tinge com incerteza e necessário toque de curiosidade cada mínimo movimento da Boogarins.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.