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Crítica

Bríi

: "Sem Propósito"

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: Black Metal, Eletrônica

Para quem gosta de: Kaatayra e Papangu

Ouça: A e B

8.8
8.8

Bríi: “Sem Propósito”

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: Black Metal, Eletrônica

Para quem gosta de: Kaatayra e Papangu

Ouça: A e B

/ Por: Cleber Facchi 06/09/2021

Quem tem acompanhado o trabalho de Caio Lemos sabe que o multi-instrumentista brasiliense é um especialista em manipular a experiência do ouvinte. E isso fica bastante evidente nas canções de Toda História pela Frente (2020), último álbum de estúdio do músico como Kaatayra e um delirante exercício de criação. São três faixas extensas em que o cantor, compositor e produtor parte de uma base essencialmente atmosférica para mergulhar em um território marcado pela colisão dos elementos, vozes guturais, ruídos e quebras rítmicas. Uma turbulenta sobreposição de ideias, proposta que ganha ainda mais destaque nas composições de Sem Propósito (2021, Independente).

Mais recente criação de Lemos como Bríi, uma das identidades do instrumentista, o trabalho de apenas duas faixas, A e B, mostra a capacidade do músico em transitar por entre estilos de forma sempre provocativa, como uma abordagem ainda menos usual do fino repertório entregue no antecessor Entre Tudo que é Visto e Oculto (2020). E isso fica bastante evidente logo na abertura do registro. São pelo menos cinco minutos em que o artista, aqui apresentado pelo nome de Serafim, investe no uso de sintetizadores atmosféricos e batidas eletrônicas, esbarrando no mesmo território criativo de Aphex Twin e outros nomes importantes que surgiram há mais de três décadas. Uma camuflagem sintética para o material que parece melhor desenvolvido na porção seguinte da canção.

Passada a breve introdução, Lemos mergulha de cabeça na montagem de uma faixa em que cada mínimo fragmento parece transportar o ouvinte para um novo território criativo. Enquanto as vozes berradas de Thiago Satyr ditam o tom existencialista da canção – “Eventos passados sempre girando com causalidade / O todo em curso / Natureza é / O fim em curso / Cosmo é” –, guitarras colossais, ruídos e batidas rápidas tensionam a experiência do público durante toda a execução do material. São pouco mais de 28 minutos que alternam entre momentos de maior leveza e instantes de evidente fúria, como um labirinto de formas inexatas, quebras e sobreposições estéticas.

Esse mesmo direcionamento criativo fica ainda mais evidente na composição seguinte. Com a mesma duração da música que a antecede, a faixa parte de uma abordagem bastante similar, investindo no uso de ambientações eletrônicas, porém, rapidamente transporta o ouvinte para um cenário completamente novo. Trata-se de uma criação ainda mais urgente do material entregue na canção de abertura do trabalho. Do uso turbulento das guitarras, passando pelo encaixe das vozes, Lemos, assim como no repertório apresentado em Toda História pela Frente, parece deixar o espectador desamparado, investindo na construção de um som ora opressivo, ora libertador.

Encéfalo, evoluído sem alvedrio / Fantoches do acaso perambulam / Com cada instante do futuro antecipado / E as escolhas não dependem da vontade“, canta Bruno Augusto Ribeiro, reforçando a temática apresentada minutos antes. A diferença em relação ao material entregue na composição anterior está na forma como Lemos utiliza de uma abordagem ainda menos linear. São ondulações que encolhem e crescem a todo instante, sempre mutáveis, culminando no fechamento catártico onde sintetizadores cósmicos, batidas e guitarras carregadas de efeitos se chocam de forma a potencializar tudo aquilo que o multi-instrumentista busca desenvolver ao longo do trabalho.

O resultado desse processo está na entrega de um material que combina criação e caos, porém, livre de qualquer traço de linearidade. É como se esses dois elementos fossem incorporados durante toda a execução do registro, bagunçando a interpretação do ouvinte. Nesse sentido, Sem Propósito preserva parte do direcionamento estético explorado durante o lançamento de Entre Tudo que é Visto e Oculto, abraça novos elementos e amplia o campo de atuação de Lemos. São incontáveis atravessamentos rítmicos, instrumentais e poéticos, mas que estabelecem na trilha conceitual detalhada ao longo dos versos um importante elemento de aproximação e fortalecimento da obra.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.