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Crítica

Charlotte Adigéry / Bolis Pupul

: "Topical Dancer"

Ano: 2022

Selo: Deewee / Because Music

Gênero: Art Pop, Electropop

Para quem gosta de: Neneh Cherry e Special Interest

Ouça: It Hit Me e Esperanto

8.6
8.6

Charlotte Adigéry & Bolis Pupul: “Topical Dancer”

Ano: 2022

Selo: Deewee / Because Music

Gênero: Art Pop, Electropop

Para quem gosta de: Neneh Cherry e Special Interest

Ouça: It Hit Me e Esperanto

/ Por: Cleber Facchi 14/03/2022

A mensagem de Charlotte Adigéry em Topical Dancer (2022, Deewee / Because Music) não poderia ser mais clara. Acompanhada pelo parceiro de produção Bolis Pupul, a artista de origem belga se concentra na montagem de um repertório marcado pelo forte discurso político, debates sobre xenofobia, sexismo e pós-colonialismo, porém, sempre pontuados pelo caráter dançante. São canções que atravessam as pistas e sustentam na construção dos versos um precioso exercício de formação da própria identidade artística, direcionamento que embala com naturalidade a experiência do ouvinte até a derradeira Thank You.

E isso fica bem representado logo na sequência de abertura do disco. Passada a introdutória Bel Deewee, em que Adigéry busca se comunicar por meio de um interfone, Esperanto aponta a direção seguida pela dupla durante toda a execução do registro. São pouco mais de três minutos em que a cantora utiliza de uma série de conceitos falsamente progressistas de forma quase educacional, desmistificando termologias e trazendo provocações de forma bem-humorada. “Você é um agressor ou uma vítima? / Você carrega o fardo desse privilégio? / Você vê essa culpa como uma alavanca?“, questiona ao longo da canção.

Esse mesmo direcionamento criativo fica ainda mais explícito na música seguinte, Blenda. Enquanto a base da canção rapidamente arrasta ouvinte para as pistas, efeito direto da produção abrasiva de Pupul, Adigéry sustenta nos versos um precioso debate sobre xenofobia e identidade racial. “Volte para o seu país onde você pertence / Siri, você pode me dizer onde eu pertenço?“, brinca. É como uma antecipação da resposta dada na faixa seguinte, Hey. “Meu nome é Variedade / Eu me identifico como uma pessoa que não é binária / Um ser pan-sexual / Meu nome é União“, dispara em meio a sintetizadores e batidas crescentes.

São justamente esses pequenos contrastes propostos pela dupla que tornam a experiência de ouvir Topical Dancer tão interessante. Composições marcadas pela clareza do discurso, mas que em nenhum momento beiram o óbvio, direcionamento reforçado no que talvez seja a principal faixa do disco, It Hit Me. Descritiva, a música parte de uma delicada situação de assédio vivido por Adigéry na adolescência, porém, sustenta na contraditória formação das batidas um hipnótico componente dançante. É como uma fuga da EDM escapista que há mais de três décadas orienta a indústria, estímulo para a formação de faixas que invariavelmente convidam o ouvinte a dançar, mesmo preservando o caráter político e força da obra.

Exemplo disso fica ainda mais evidente na segunda metade do trabalho. São canções como Ceci n’est pas un cliché e Reappropriate que potencializam o uso calculado das batidas, porém, sustentam nos versos de Adigéry a real força do registro. Composições que transitam por entre temáticas, histórias e sentimentos de forma tão intimista quanto analítica, produto do completo domínio criativo da cantora. Claro que isso não interfere na produção de músicas menos densas e deliciosamente acessíveis. É o caso da curiosa HAHA, faixa que evidencia o domínio técnico e capacidade de Pupul em transitar com liberdade por entre estilos.

Sequência ao material entregue pela dupla em Zandoli (2019), Topical Dancer preserva uma série de elementos que apresentaram o trabalho de Adigéry e Pupul, porém, de forma ainda mais provocativa, forte. São canções que partem das experiências, conflitos e memórias traumáticas compartilhadas em estúdio pela dupla, mas que em nenhum momento deixam de dialogar com ouvinte, efeito direto da atmosfera dançante que evoca nomes como os conterrâneos do Vive La Fête, Neneh Cherry e os encontros entre Miss Kitten e diferentes parceiros. Um espaço aberto às possibilidades, porém, bem resolvido conceitualmente, como um produto da colaboração entre dois realizadores que sabem exatamente onde querem chegar.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.