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Ano: 2021

Selo: Matador

Gênero: Art Pop

Para quem gosta de: Spellling, Julia Holter e Jenny Hval

Ouça: Dogma, Stranger e Vanishing

8.0
8.0

Circuit Des Yeux: “-io”

Ano: 2021

Selo: Matador

Gênero: Art Pop

Para quem gosta de: Spellling, Julia Holter e Jenny Hval

Ouça: Dogma, Stranger e Vanishing

/ Por: Cleber Facchi 05/11/2021

A primeira coisa que você ouve em -io (2021, Matador) é a respiração de Haley Fohr. Passado o sopro de vida que inaugura o mais recente trabalho de estúdio da multi-instrumentista, cantora e compositora norte-americana, arranjos de cordas despencam de forma essencialmente dramática, aumentando a forte teatralidade que há mais de uma década orienta as criações da artista de Chicago. Um preparativo para o material que chega minutos à frente, na já conhecida Vanishing, composição que discute o impacto das mudanças climáticas, o fim da existência humana e a inevitabilidade da morte, tema central do registro.

Mais do que uma decisão estética, parte desse direcionamento temático vem justamente das experiências vividas por Fohr nos últimos anos. Sufocada pela morte de um amigo próximo e consumida por conta de um bloqueio criativo durante um processo de residência artística, a compositora fez desse período de evidente melancolia um estímulo natural para o repertório que embala o presente trabalho. São composições essencialmente densas e dolorosas, proposta que parte dos conflitos pessoais da artista, mas que a todo momento se conecta aos sentimentos e memórias mais entristecidas de qualquer ouvinte.

E isso fica bastante evidente na catártica Stranger. Já conhecida do público fiel da cantora, a faixa que trata sobre distanciamento, saudade e dor, parece exorcizar os sentimentos mais profundos de Fohr, sensação reforçado nas vozes fortes, uivos e pianos complementares que correm ao fundo da composição. É como se a musicista fosse de encontro ao mesmo território criativo de ANHONI e outras artistas conhecidas pela forte vulnerabilidade explícita nos versos. Um tortuoso exercício criativo que encolhe e cresce a todo instante, como uma manifestação natural dos traumas e tormentos experienciados pela compositora.

Essa mesma tensão e forte carga dramática acaba se refletindo durante toda a execução do trabalho. Composições que partem sempre de uma mesma abordagem instrumental, reforçando a ambientação densa do registro. O que diferencia uma canção e outra é o andamento rítmico adotado pela artista. Enquanto parte expressiva das faixas se projetam de forma atmosférica, caso de Sculpting The Exodus e Walking Toward Winter, outras encantam pelo uso destacado das batidas e imponência das vozes, como uma extensão dos últimos álbuns de Circuit Des Yeux, In Plain Speach (2015) e Reaching For Indigo(2017).

Vem justamente desses momentos de maior explosão o estímulo para algumas das melhores e mais inventivas composições do disco. É o caso de Dogma. Escolhida para anunciar a chegada do disco, a música que fala sobre buracos negros, fé e transformações pessoais parece apontar para a obra de veteranos como Neu! e Stereolab, efeito direto da base cíclica, por vezes hipnótica, da bateria e guitarra. Outra que utiliza de uma abordagem bastante similar, porém, partindo de uma estrutura crescente, é Neutron Star, faixa que sintetiza parte dos temas instrumentais e poéticos detalhados ao longo da obra.

Trabalho mais sensível já produzido por Circuit Des Yeux, -io traz de volta uma série de conceitos e formas pouco usuais que tem sido incorporados pela compositora desde o início da carreira, porém, partindo de uma abordagem potencialmente acessível, como se pensada para dialogar com uma parcela ainda maior do público. Claro que essa transformação, estimulada por conta da forte carga emocional presente nos versos, não interfere na produção de faixas deliciosamente inexatas, tortas. São justamente essas pequenas oscilações que tornam a experiência de ouvir o registro tão interessante. É como um passeio pela mente de Fohr, direcionamento que aproxima, provoca e estimula o ouvinte a todo instante.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.