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Crítica

Don L

: "Caro Vapor II – Qual a forma de pagamento?"

Ano: 2025

Selo: Caro Vapor

Gênero: Rap

Para quem gosta de: Black Alien e Nego Gallo

Ouça: Aff Maria, Iminência Parda e Saudade do Mar

8.8
8.8

Don L: “Caro Vapor II – Qual a Forma de Pagamento?”

Ano: 2025

Selo: Caro Vapor

Gênero: Rap

Para quem gosta de: Black Alien e Nego Gallo

Ouça: Aff Maria, Iminência Parda e Saudade do Mar

/ Por: Cleber Facchi 25/06/2025

O bom malandro está de volta. Mais de uma década após o lançamento de Caro Vapor – Vida e Veneno de Don L (2013), primeiro registro de Don L em carreira solo, o rapper cearense revela ao público Caro Vapor II – Qual a Forma de Pagamento? (2025). Trabalho mais ambicioso do artista, o disco naturalmente chama a atenção pela força das rimas, porém é na intensa relação com a música brasileira que o repertório cresce.

Com produção assinada pelo próprio artista em colaboração com Iuri Rio Branco e Nave, o trabalho parte do esforço do rapper em reimaginar estilos populares como samba, baião e funk dentro da lógica do rap. Canções que transbordam uma brasilidade negra, ensolarada e tropical, como um caleidoscópio sonoro que se completa pela construção dos versos sempre mergulhados em excessos, romances e provocações.

Eu tive lá е, posso garantir, ninguém vai te guiar / Eu te ofereço um trago e, ‘vetin, vou te adiantar: é caro”, dispara logo nos minutos iniciais, em Caro. Misto de convite e crítica sofisticada à ostentação, ao consumo e à lógica de sucesso no universo do rap — e, por extensão, na sociedade capitalista —, a faixa sintetiza parte dos temas que serão explorados ao longo do álbum. São canções que esbarram em personagens ambíguos e celebram conquistas, mas em nenhum momento parecem vazias ou perdem o contato com a realidade.

Pelo contrário, poucas vezes antes Don L pareceu tão consciente sobre a própria obra quanto no presente disco. Da construção dos versos à elaboração dos arranjos, batidas e bases, cada fragmento do trabalho parece cuidadosamente planejado pelo artista. A diferença em relação aos álbuns que o antecedem, como Roteiro Para Aïnouz, Vol. 2 (2021), está na abordagem despojada do rapper que agora equilibra com maior naturalidade faixas políticas, como Iminência Parda, e composições românticas, caso de Pimpei Seu Estilo.

Partindo dessa abordagem, Don L aproveita ainda para estreitar laços com diferentes parceiros criativos. É o caso Anelis Assumpção, convidada em Tristeza Não, composição que referencia o pai da cantora, Itamar Assumpção, artista que retorna no sample de Bandido. Essa mesma relação familiar e reverência a figuras icônicas da nossa música acontece em Saudade do Mar, com Alice Caymmi reinterpretando o avô, Dorival.

Nada que prepare o ouvinte para a sequência de canções em parceria com Giovani Cidreira. Enquanto em Para Kendrick e Kanye o músico baiano interpreta parte da letra de Para Lennon e McCartney, de Milton Nascimento, na composição seguinte, Aff Maria, a voz do soteropolitano se transforma em um instrumento para aquela que é uma das principais faixas do disco. Surgem ainda parceiros como MC Drika (Melhor Vida), Luiza De Alexandre (Dias de Verão) e Terra Preta (Imigrante) que ampliam os horizontes da obra.

Apesar do inegável vigor conceitual e das colaborações que enriquecem o disco, Caro Vapor II – Qual a Forma de Pagamento? sofre com o parcial desequilíbrio em sua estrutura. A partir de Iminência Parda, o álbum perde parte da coesão instrumental e da contundência que marca a primeira metade do material, com momentos que soam dispersos ou repetitivos diante da densidade proposta no início. Ainda assim, Don L reconduz a narrativa com precisão ao final do percurso. Escolhida para o fechamento do trabalho, Tudo é Simulação encerra o registro com uma crítica feroz à era do capital-espetáculo, misturando lucidez poética e indignação em uma faixa que reafirma a relevância do rapper como atento cronista do presente.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.