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Crítica

Erika de Casier

: "Sensational"

Ano: 2021

Selo: 4AD

Gênero: R&B, Pop, Soul

Para quem gosta de: Kelela, Blood Orange e Tirzah

Ouça: Drama, Polite e Busy

8.0
8.0

Erika De Casier: “Sensational”

Ano: 2021

Selo: 4AD

Gênero: R&B, Pop, Soul

Para quem gosta de: Kelela, Blood Orange e Tirzah

Ouça: Drama, Polite e Busy

/ Por: Cleber Facchi 27/05/2021

Nascida em Portugal, porém, residente em Copenhague, na Dinamarca, Erika de Casier passou os últimos anos refinando a própria estética. Passado o lançamento do introdutório, Essentials (2019), obra que revelou músicas como Little Bit e Do My Thing, a cantora, compositora e produtora portuguesa mergulhou em estúdio com Natal Zaks, parceiro de longa data, para investir na construção de um novo registro de inéditas. O resultado desse processo está nas canções do delicado Sensational (2021, 4AD), trabalho em que preserva a essência minimalista do material entregue há dois anos, porém, alcança um evidente ponto de amadurecimento lírico e instrumental, cuidado que embala com naturalidade a experiência do ouvinte até a canção de encerramento, Call Me Anytime.

Conceitualmente inspirado pelo R&B produzido entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000, o registro de essência nostálgica confessa algumas das principais referências criativas da artista portuguesa. São ecos de Aaliyah, Mônica, Brandy e outros nomes importantes que surgiram durante o período. Canções que estabelecem no reducionismo das batidas um estímulo natural para a construção dos versos, sempre íntimos das experiências mais intimistas vividas pela cantora. “Eu te escrevi duas vezes noite passada / Gostaria de poder retroceder / Retirar tudo o que eu disse / Mas eu não posso fazer isso“, confessa na introdutória Drama, música que se espalha em meio a memórias de um passado recente, proposta que ecoa de forma ainda mais sensível ao longo da obra.

Exemplo disso acontece minutos à frente, em All You Talk About. “Fale minha língua, você sabe o que estou dizendo? / Quero dizer um beijo e um abraço, sim, é tudo que eu quero / Eu amo diamantes, mas você não pode comprar meu amor“, canta. São versos sempre confessionais, como um exercício da permanente entrega de Casier. Instantes em que a artista se despe por completo, detalhando angustias e momentos de maior vulnerabilidade que invariavelmente dialogam com as experiências emocionais de qualquer indivíduo. A principal diferença em relação a outros trabalhos do gênero, em essência consumidos pelo sofrimento do eu lírico, está na forma como a artista deixa de lado a postura passiva para interferir diretamente nos temas e sentimentos que movimentam a obra.

Perfeita representação desse resultado acontece em No Butterflies, No Nothing, sexta faixa do disco. São pouco menos de três minutos em que a artista confessa inseguranças e transporta as próprias indecisões para dentro de estúdio. “Sentindo que minha mente está dizendo sim, sim, sim / Mas meu coração está no caminho gritando não, não, não / Querido, eu tenho medo de deixar você ir / Eu acho que é o melhor e eu sei que você sabe“, detalha. A própria base instrumental da canção, alternando entre momentos de maior leveza e evidente ruptura, funciona como um precioso componente de reforço aos versos. É como se Casier e Zaks jogassem com os instantes, costurando batidas, ruídos e inserções melódicas que potencializam as vozes e sentimentos expressos pela cantora.

Se por um lado esse evidente refinamento e forte aproximação entre as faixas garante maior homogeneidade ao disco, por outro, limita o ouvinte a um repertório pautado por questões sentimentais que dão voltas em torno de um mesmo conjunto de ideias. Do momento em que tem início, na já citada Drama (“Você conhece todos os meus segredos / E eu não posso pegá-los de volta“), até alcançar a derradeira Call Me Anytime (“Eu ainda guardo as memórias que fizemos / Talvez seja por isso que está doendo tanto“), tudo soa como um produto dos conflitos e romances fracassados da cantora. Canções que utilizam de um envelopamento estético claramente refinado, mas que pouco avança quando voltamos os ouvidos para o material entregue em Essentials.

Entretanto, Casier trata tudo com tamanho esmero e entrega que é difícil não se deixar conduzir pelos dramas e experiências sentimentais compartilhados pela cantora, mesmo que muitos deles se repitam ao longo da obra. Mais do que isso, o que poderia se transformar em uma preguiçosa reciclagem de ideias, com músicas exageradamente inspiradas em clássicos dos anos 1990 e 2000, em nenhum momento sufoca a identidade da artista. Da fluidez rítmica que toma conta de Busy ao completo recolhimento de Polite, canção que rompe com o cercado conceitual do disco para dialogar com as criações de Sade, tudo parece pensado para envolver o ouvinte. Um precioso exercício criativo que tinge com nostalgia e fino toque de renovação cada mínimo fragmento do registro.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.