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Crítica

Livia Nery

: "Estranha Melodia"

Ano: 2019

Selo: Máquina de Louco

Gênero: Neo-Soul, MPB, R&B

Para quem gosta de: Luedji Luna, Curumin e Céu

Ouça: Sintonia do Amor e Estranha Melodia

8.1
8.1

“Estranha Melodia”, Livia Nery

Ano: 2019

Selo: Máquina de Louco

Gênero: Neo-Soul, MPB, R&B

Para quem gosta de: Luedji Luna, Curumin e Céu

Ouça: Sintonia do Amor e Estranha Melodia

/ Por: Cleber Facchi 15/07/2019

Difícil ouvir as canções de Estranha Melodia (2019, Máquina de Louco), álbum de estreia da cantora e compositora baiana Livia Nery, e não perceber nessa estrutura contida a passagem para um refúgio conceitual arquitetado pela própria artista. Concebido em uma medida própria de tempo, sem pressa, o registro de essência bucólica estabelece um propositado distanciamento de possíveis excessos e temas urbanos, dialogando com outros exemplares recentes da Nova Bahia, como Um Corpo no Mundo (2017), de Luedji Luna, e a bem-sucedida estreia de Xênia França, em Xenia (2017).

Curioso pensar que tamanha leveza e atmosfera brejeira parta justamente de uma obra concebida no centro de São Paulo. Para a produção do disco, Nery, que já havia colaborado com Rafa Dias, do ÀTØØXXÁ, no primeiro EP de inéditas da carreira, Vulcanidades (2017), decidiu estreitar a relação com o cantor e compositor paulistano Curumin. O resultado desse encontro está na entrega de um registro perfumado pelo cheiro de mato, porém, marcado pelo groove, como uma extensão natural de tudo aquilo que o artista vem produzindo desde o colorido Arrocha (2012).

Exemplo disso ecoa com naturalidade logo nos primeiros minutos do disco, na auto-intitulada faixa de abertura. Do uso atmosférico da voz, passando pela lenta inserção de sintetizadores, metais e batidas eletrônicas, todos os elementos da canção se revelam ao público em pequenas doses, cercando e confortando o ouvinte. Um misto de passado e presente, estrutura que preserva a essência orgânica do disco, porém, se permite dialogar com o trabalho de estrangeiros. Difícil não lembrar de Erykah Badu, Ms. Lauryn Hill ou mesmo nomes recentes do neo-soul, como Solange, efeito direto do minucioso uso das melodias e harmonias de vozes.

O mesmo cuidado acaba se refletindo no romantismo agridoce que invade Sintoma de Amor. São camadas instrumentais, sintetizadores e a linha de baixo suculenta que se conecta diretamente aos versos lançados pela cantora. “Dia da caça ou do caçador / Caçando sarna pra se coçar / Olho no olho, é você meu par“, canta. Músicas que passeiam por entre décadas e diferentes referências conceituais de forma curiosa, vida a inusitada releitura de Vinte Léguas, faixa originalmente lançada pela cantora e compositora carioca Evinha no álbum Eva, de 1974.

Mesmo dentro desse universo marcado por pequenos acertos, sobrevive no isolamento de músicas como Cantoria, quarta composição do disco, o estímulo para uma obra ainda mais sensível. Concebida a partir do dedilhado tímido de um violão e pianos econômicos, a canção se espalha em meio a paisagens descritivas, personagens e cenas que compõem uma acolhedora atmosfera bucólica. “Viola encostou no peito / Esquentando a noite fria / As crianças no folguedo / Nossa reza é cantoria“, canta em meio a versos doces, estrutura que volta a se repetir na derradeira Spiritual, música concebida a partir da lenta sobreposição de vozes e propositada ausência de instrumentos.

Completo pela presença dos músicos Aline Falcão e João Paulo Deogracias, colaboradores em parte expressiva da obra, Estranha Melodia ainda se abre para a interferência direta de nomes como Edgard Scandurra, Lucas Martins, Edy Trombone, Maurício Badé, Tatiana Lirio, Johanna Gaschler, Marcelo Galter, Israel Lima e Jorge Solovera. Inserções pontuais, sutis ou destacadas que encolhem e crescem durante toda a execução da obra, como pinceladas instrumentais que servem de complemento aos versos sutilmente derramados pela cantora.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.