Image
Crítica

Ethel Cain

: "Preacher's Daughter"

Ano: 2022

Selo: Daughters of Cain

Gênero: Rock, Slowcore

Para quem gosta de: Lana Del Rey e Nicole Dollanganger

Ouça: Thoroughfare e American Teenager

8.0
8.0

Ethel Cain: “Preacher’s Daughter”

Ano: 2022

Selo: Daughters of Cain

Gênero: Rock, Slowcore

Para quem gosta de: Lana Del Rey e Nicole Dollanganger

Ouça: Thoroughfare e American Teenager

/ Por: Cleber Facchi 03/06/2022

Não espere por respostas imediatas ao mergulhar nas composições de Preacher’s Daughter (2022, Daughters of Cain). Primeiro álbum de estúdio da cantora e compositora norte-americana Ethel Cain, o trabalho marcado pelo aspecto contemplativo dos versos utiliza de uma abordagem bastante particular. São canções que seguem em um ritmo lento, reforçando a densidade dos temas e discussões que partem das experiências vividas pela artista, uma mulher transgênero que cresceu emocionalmente sufocada em um lar evangélico, decidiu contestar a própria religião e usa da música como componente de libertação.

Conceitualmente centrado em três gerações de mulheres, o trabalho parte da adolescência traumática, fuga e morte da protagonista, a filha do pastor anunciada no título do material, para discutir o modo de vida e a decadência da sociedade estadunidense. Exemplo disso fica bastante evidente na já conhecida American Teenager. Enquanto passeia em meio a cenas e acontecimentos típicos da vida suburbana, Cain discute a própria sensação de deslocamento em um ambiente marcado pelo conservadorismo e repressão. “E eu sinto isso lá / No meio da noite / Quando as luzes se apagam e eu estou sozinha novamente“, detalha em meio a camadas de guitarras e batidas fortes que apontam para a produção da década de 1980.

Esse mesmo lirismo angustiado fica ainda mais evidente com a chegada de Family Tree, quinta faixa do disco. São pouco mais de sete minutos em que Cain parte de uma base atmosférica para reforçar a potência das guitarras e versos que apontam para o próprio passado. “Essas cruzes por todo o meu corpo / Me fazem lembrar de quem eu costumava ser / Entrego-me a ele em oferta / Deixe-o fazer de mim uma mulher“, canta. É como um doloroso exercício de exposição sentimental e entrega da artista, conceito anteriormente testado em Inbred EP (2021), porém, aprimorado nas canções de Preacher’s Daughter.

Perfeita representação desse resultado acontece no que talvez seja uma das principais faixas do disco, a extensa Thoroughfare. Ponto de partida para a segunda metade da obra, a canção parte de um passado traumático, ainda preso às memórias e conflitos de Cain, porém, detalha a fuga romântica e busca de dois personagens por libertação. A própria base instrumental do disco assume um rumo diferente a partir desse ponto. São estruturas grandiosas, guitarras cada vez mais destacadas e batidas que parecem pensadas para alavancar as vozes da artista, conceito reforçado em Gibson Girl e na crescente Ptolemaea.

Com base nessa estrutura, Cain busca detalhar todos os aspectos da melancólica narrativa que, por ora, se concentra apenas na personagem da filha. O problema é que essa abordagem conceitual parece resolvida apenas nas entrevistas e informações adicionais compartilhadas pela compositora, deixando muitas das canções em aberto. Enquanto a porção inicial do disco se resolve de forma quase descritiva, envolvendo o ouvinte, a metade seguinte utiliza de um acabamento bastante subjetivo, por vezes confuso. O próprio uso excessivo de temas instrumentais parece contribuir ainda mais para esse parcial desequilíbrio do material.

Entretanto, como percebido ao longo da obra, a grande beleza de Preacher’s Daughter não está na obtenção de possíveis respostas e interpretações imediatas por parte do ouvinte, mas na jornada proposta pela artista. Mesmo partindo de um direcionamento rítmico particular, onde cada composição ganha forma em uma medida própria de tempo, difícil não se deixar conduzir pelo material entregue por Cain. São canções que partem de memórias traumáticas e tormentos acumulados pela musicista ao longo dos anos, estrutura que acaba se refletindo de forma bastante sensível e devastadora até a derradeira Strangers.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.