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Crítica

Faye Webster

: "I Know I’m Funny haha"

Ano: 2021

Selo: Secretly Canadian

Gênero: Alt. Country, Indie, Folk Rock

Para quem gosta de: Jenny Lewis e Kacey Musgraves

Ouça: Better Distractions, Cheers e Overslet

8.0
8.0

Faye Webster: “I Know I’m Funny haha”

Ano: 2021

Selo: Secretly Canadian

Gênero: Alt. Country, Indie, Folk Rock

Para quem gosta de: Jenny Lewis e Kacey Musgraves

Ouça: Better Distractions, Cheers e Overslet

/ Por: Cleber Facchi 30/06/2021

Reverenciar o passado, porém, preservando a própria essência. Esse parece ser o direcionamento criativo de Faye Webster em I Know I’m Funny haha (2021, Secretly Canadian). Fortemente influenciado pelo cancioneiro norte-americano, o sucessor do elogiado Atlanta Millionaires Club (2019) busca inspiração no som empoeirado de veteranos como Neil Young, Loretta Lynn e outros nomes de peso do gênero, porém, estabelece na poesia urbana e deliciosamente sarcástica e estímulo para um repertório próprio da artista de Atlanta. São canções que partem de experiências mundanas, combinam relacionamentos fracassados e inquietações em meio a arranjos cuidadosos, produto do completo domínio da musicista, sempre inclinada a testar os próprios limites em estúdio.

E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos do disco, em Better Distractions. Enquanto guitarras slide se espalham em meio a pianos nostálgicos, Webster utiliza de um romance instável para refletir sobre o período de isolamento e mudanças causadas durante a pandemia de Covid-19. “Eu tentei comer, tentei dormir, mas tudo me parece chato / Não sei o que fazer / Tenho dois amigos que pude ver, mas eles têm dois empregos e um bebê“, canta. São escolhas criativas e temáticas que talvez passassem despercebidas nas mãos de outros compositores, mas que ganham novo significado nas experiências detalhadas pela artista ao longo da obra. Exemplo disso acontece na própria faixa-título do trabalho, em que discute de forma cômica conflitos vividos com a família do próprio namorado (“Eu acho suas irmãs tão bonitas / Elas ficaram bêbadas e esqueceram que me conhecem“).

São justamente essas quebras de perspectiva que tornam a experiência de ouvir o trabalho tão satisfatória. Composições que utilizam de sentimentos e experiências reais, mas que em nenhum momento tendem ao óbvio. E isso fica bastante evidente em A Dream With a Baseball Player, nona faixa do disco. Na mesma medida em que utiliza do registro como uma delicada confissão romântica (“Como me apaixonei por alguém / Não sei?“), Webster costura fragmentos oníricos (“Eu te vi no meu sonho noite passada / Isso ainda é o mais próximo que você e eu estivemos“) e inquietações bem-humoradas (“Tem tanta coisa acontecendo / Minha avó está morta / E eu não consigo dormir porque esta não é a minha cama“) que naturalmente distanciam o ouvinte de uma abordagem previsível.

Essa mesma riqueza de detalhes explícita na formação dos versos acaba se refletindo na construção dos arranjos. Da mesma forma que em Atlanta Millionaires Club, Webster e o co-produtor Drew Vandenberg (Spellling, Stella Donnelly) partem de uma base acústica, típica do country/folk da década de 1970, porém, adornada pela inserção de novos instrumentos, como sintetizadores e metais, proposta que vai do R&B ao uso rock psicodélico. E isso fica bastante evidente na dobradinha composta por Kind of e Cheers. São pouco mais de oito minutos em que a artista utiliza de uma base reducionista, íntima de veteranos como Harry Nilsson, mas que a todo momento incorpora novos elementos, ritmos e possibilidades criativas, ampliando de maneira detalhista os limites da obra.

Mesmo a escolha dos convidados nunca segue uma trilha convencional dentro dos trabalhos de Webster. Enquanto o álbum anterior contou com a colaboração do rapper Father, parceiro em Flowers, uma das principais faixas do disco, em I Know I’m Funny haha, a musicista norte-americana conta com a participação da cantora e compositora japonesa Mei Ehara. Dona de um vasto repertório que se acumula ao longo da última década, a artista assume parte dos versos em Overslept, penúltima composição do disco. O resultado desse encontro está na entrega de uma canção que preserva a essência da obra, porém, aponta para novas direções criativas, conceito que se reflete até a música seguinte, a derradeira Half of Me, com seus arranjos econômicos e vozes sempre sensíveis.

Produto final de um lento processo de aprimoramento artístico e construção da própria identidade, I Know I’m Funny haha mostra o esforço da cantora em buscar por novas possibilidades mesmo imersa em um cenário há muito desbravado por diferentes nomes da cena norte-americana. Por vezes íntima do mesmo direcionamento nostálgico incorporado por Weyes Blood e Adrianne Lenker nos últimos trabalhos de estúdio, Webster aponta a todo momento para o passado, porém, estabelece na construção dos versos um importante elemento de aproximação com o presente. São variações instrumentais, líricas e conceituais sempre marcadas pela força dos sentimentos, mas que nunca perdem o bom humor e capacidade da artista de surpreender o ouvinte a cada novo movimento.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.