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Crítica

Febem

: "Jovem OG"

Ano: 2021

Selo: Ceia Ent. / Empire

Gênero: Hip-Hop, Rap, Grime

Para quem gosta de: Fleezus, LEALL, SD9

Ouça: Jovem, Área de Risco e Me Paga

9.0
9.0

Febem: “Jovem OG”

Ano: 2021

Selo: Ceia Ent. / Empire

Gênero: Hip-Hop, Rap, Grime

Para quem gosta de: Fleezus, LEALL, SD9

Ouça: Jovem, Área de Risco e Me Paga

/ Por: Cleber Facchi 22/04/2021

Jovem OG (2021, Ceia Ent. / Empire) é uma verdadeira celebração. Mais recente lançamento de Felipe Disiderio, o Febem, o trabalho que conta com produção de CESRV, parceiro de longa data do artista, preserva a essência do registro que o antecede, Running (2019), porém, estabelece nas rimas do rapper paulistano um importante ponto de transformação. Canções que exaltam as conquistas e pequenos excessos do ex-integrante do grupo Zero Real Marginal, mas que em nenhum momento tapam os olhos para a realidade. Frações descritivas que passeiam pela periferia de qualquer centro urbano, utilizam de narrativas noturnas, cenas e personagens para construir uma obra de essência viva, como se diferentes histórias e possibilidades fossem condensadas dentro de cada composição.

E isso fica bastante explícito logo nos primeiros minutos do registro, na introdutória Jovem. São pouco mais de dois minutos em que Febem e CESRV apresentam parte das regras, temas e conceitos que serão explorados no restante do trabalho. Da fluidez das vozes incorporadas pelo convidado, o cantor/rapper Smile – “Nunca estive tão bem / Posso voar também” –, passando pela base eletrônica que vai do grime à club house e citações a Djonga – “E quem falou que o disco antigo é fraco / Vai tomar no cu” –, tudo soa como um preparativo para as rimas despejadas pelo rapper minutos à frente. “Que agora é nossa vez de ser feliz, de dar risada / Paz na quebrada acaba de ser decretada / E mesmo que eu ainda ande pelo vale da sombra / Volta de ré, filha da puta, cancelei sua ronda“, anuncia.

É partindo justamente desse direcionamento lírico que o rapper orienta a experiência do ouvinte até os últimos segundos do trabalho. Canções marcadas pela contraposição das rimas, como instantes de maior euforia que antecedem momentos de angústia e necessária reflexão. No cruzamento entre esses dois extremos, elementos de tensão social que evidenciam a desigualdade, caos político e repressão policial. “Papo de lucro, guerra só com o estado / Que não suporta a vitória de favelado / Tem que ser Bolt pra viver desse lado / E quem nasceu pra varejo nunca vai ser atacado“, dispara em México, música que sintetiza parte da poesia contrastada que serve de sustento ao disco, conceito também reforçado em músicas como Crime (“O sonho era entrar еm campo gingando, portando a nove / Sem ser aquela que o polícia apontou pra minha cabeça“) e na atmosférica Vai Pensando (“Primeira vez que vi um quadro foi de luz / Quando cortaram lá em casa eu tinha idade da minha filha“).

A principal diferença em relação ao trabalho de Febem quando próximo de outros exemplares do gênero está na ruptura de uma possível abordagem professoral. Livre de qualquer traço de moralidade barata, o rapper paulistano se concentra na produção de uma obra quase documental, como fragmentos do cotidiano que se entrelaçam de forma sempre acessível a partir das batidas encaixadas pelo produtor. Exemplo disso fica bastante evidente na colaborativa Área de Risco, sétima faixa do disco. Bem-sucedido encontro com a dupla Tasha & Tracie, a canção passeia pela noite de São Paulo em uma estrutura que naturalmente convida o ouvinte a dançar, mas que em nenhum momento se distancia do caráter contestador dos versos. “Seguimos buscando quem largou cem passo’ à frente / Exemplo de vitória onde ninguém liga você / Eu vejo tudo, ninguém me vê“, rima.

Parte desse resultado vem justamente da forte interferência de CESRV no processo de criação da obra. Para além da batida crua, como um complemento às rimas, o produtor garante ao disco uma musicalidade poucas vezes antes vista dentro da cena brasileira. São camadas de sintetizadores, fragmentos de vozes e inserções eletrônicas que naturalmente apontam para produção inglesa, mas que em nenhum momento perdem a essência brasileira. Do som de sirenes em Crime, passando pelo diálogo com o funk carioca, em Balla, tudo se transforma em um importante componente de fortalecimento do álbum. A própria rima de Febem, em Marcha, funciona como um elemento rítmico nas mãos do produtor. É como se a dupla incorporasse tudo aquilo que foi apresentado durante o lançamento do colaborativo Brime! (2020), porém, partindo de uma estrutura ainda mais complexa.

Completo pela participação de Jean Tassy, em Sem Tempo, e Djonga, na derradeira Me Paga, uma das melhores composições do disco, Jovem OG é o típico caso de um registro que captura a atenção do ouvinte logo em uma primeira audição, porém, revela um universo de pequenos detalhes quando observado de maneira atenta. Da construção das rimas que evocam o trabalho de artistas como Racionais MC’s, Baco Exu do Blues e outros nomes importantes da produção brasileira, passando pela inserção das batidas e cada mínimo fragmento assinado por CESRV, Febem entrega ao público uma obra essencialmente ampla. Canções que preservam o que há de mais característico no rap nacional, mas que apontam uma série de caminhos e novas abordagens criativas para o futuro do gênero.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.