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Crítica

Filipe Catto

: "Belezas São Coisas Acesas Por Dentro"

Ano: 2023

Selo: Joia Moderna

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Gal Costa e Alice Caymmi

Ouça: Vaca Profana, Esotérico e Tigresa

8.0
8.0

Filipe Catto: “Belezas São Coisas Acesas Por Dentro”

Ano: 2023

Selo: Joia Moderna

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Gal Costa e Alice Caymmi

Ouça: Vaca Profana, Esotérico e Tigresa

/ Por: Cleber Facchi 09/10/2023

Não há nada mais detestável e triste do que a higienização plástica do pós-morte. Morre o artista, cria-se uma versão idealizada do mesmo, sempre repleta de bons momentos e lembranças adocicadas. Com Gal Costa (1945 – 2022) não foi diferente. Desde a morte da Musa da Tropicália, em novembro do último ano, o que mais se viu foram diferentes tributos dotados de uma polidez tão exacerbada quanto a pior fase da cantora baiana, no início dos anos 2000. Um misto de choro falso e celebração forçada que Filipe Catto se esquiva por completo no intenso repertório de Belezas São Coisas Acesas Por Dentro (2023, Joia Moderna).

Deliciosamente sujo, como se partilhasse da mesma atmosfera ruidosa que embala as composições de Fa-Tal – Gal a Todo Vapor (1973), o trabalho feito sob encomenda para um espetáculo do SESC São Paulo e posteriormente transportado pra dentro de estúdio, mostra Catto em sua melhor forma. Logo nos minutos iniciais, somos hipnotizados por Lágrimas Negras, música que concede título à obra e joga a voz da artista gaúcha para trás, como se captada em um estacionamento abandonado. É um preparativo para o que se completa pela guitarra fluida do coprodutor Fábio Pinczowski, o baixo sempre carregado de Gabriel Mayall e a bateria calculada de Michelle Abu, preparando terreno e abrindo passagem para o restante do álbum.

Embora organizado de forma a revelar algumas das melhores canções eternizadas na voz da artista baiana, o grande acerto de Belezas São Coisas Acesas Por Dentro está em não fatiar o repertório do trabalho, mas em tratar tudo como parte de uma obra única. Não por acaso, cada composição serve de passagem para a música seguinte, como uma transposição da mesma estrutura pensada para o espetáculo ao vivo de Catto. Exemplo disso fica bem representado na lenta transição de Joia / Oração da Mãe Menininha para Esotérico, estrutura que parte das guitarras de Pinczowski, mas que cresce na voz instrumental da cantora gaúcha.

O resultado desse processo está na materialização de uma obra viva e totalmente imprevisível, mesmo na seleção de faixas talvez óbvias e difíceis de serem ignoradas dentro de um tributo à cantora baiana. É o caso de Negro Amor. Versão de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti para It’s All Over Now, Baby Blue, de Bob Dylan, a canção que já passou por diferentes interpretações dos mais diversos nomes da música brasileira, inclusive da própria Gal em parceira com Jorge Drexler, para o álbum Nenhuma Dor (2021), surge agora reformulada, destacando ainda mais a força avassaladora que orienta a formação dos versos.

E ela está longe de ser a única. Em Vaca Profana, por exemplo, Catto, sempre acompanhada pela guitarra suja de Pinczowski, entrega ao público uma interpretação que, me perdoem os puristas, supera em muito a versão original da faixa. Outra que chama a atenção e parece perfeitamente moldada para o repertório de Belezas São Coisas Acesas Por Dentro é Sem Medo Nem Esperança, canção que, junto de Jabitacá, destaca o olhar atento da cantora gaúcha para os trabalhos mais recentes de Gal. São composições que passeiam por diferentes décadas e obras da artista baiana, porém, cuidadosamente tratadas de forma homogênea.

Dentro desse espaço limitado pela economia dos instrumentos, é justamente a voz da cantora que concede maior ou menor poder às canções, o que resulta em instantes de parcial desequilíbrio. Exemplo disso acontece em Jabitacá e Nada Mais, faixas que, mesmo executadas de forma consistente, ecoam como peças menores frente à potência de Tigresa e outras criações em que a alma de Gal Costa parece simplesmente encarnar na artista gaúcha. São curvas pontuais, resultando em composições talvez esquecíveis, mas que em nenhum momento diminuem a força criativa e capacidade de Catto em fazer de Belezas São Coisas Acesas Por Dentro uma verdadeira aula sobre como prestar homenagem a um importante nome da nossa música.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.