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Ano: 2022

Selo: Balaclava Records

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Cícero e Pedro Sá

Ouça: Privação e O Teste

8.4
8.4

Gabriel Ventura: “Tarde”

Ano: 2022

Selo: Balaclava Records

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Cícero e Pedro Sá

Ouça: Privação e O Teste

/ Por: Cleber Facchi 05/04/2022

Tem disco que quando bate, faz um estrago danado. Estreia de Gabriel Ventura em carreira solo, Tarde (2022, Balaclava Records) é uma dessas obras. Produto da parceria entre o ex-integrante da Ventre e o produtor Patrick Laplan (Los Hermanos, Duda Beat), o trabalho de nove faixas começa manso, quase misterioso, porém, sustenta na permanente colisão de formas instrumentais, ruídos e atravessamentos o estímulo para um registro que se revela maior a cada nova audição. São canções que parecem escapar da mente do artista carioca, como inquietações materializadas em músicas dotadas de linguagem universal.

O fracasso não me amedronta / Tenho uma tonelada de remorço em mim e vou me derramar aqui, vem ver“, anuncia logo nos primeiros minutos da obra, em O Teste, música que sintetiza de maneira eficiente tudo aquilo que Ventura busca desenvolver ao longo do trabalho. São fragmentos de vozes que se levantam como blocos imensos de concreto, estrutura que se completa pelo desenho torto das guitarras e uso calculado das batidas. É como uma extensão natural de tudo aquilo que o guitarrista havia testado com integrante da Ventre, trio carioca completo por Larissa Conforto e Hugo Noguchi, porém, partindo de uma abordagem totalmente imprevisível, proposta que se reflete até a faixa de encerramento do álbum, Vontade.

Imerso nesse cenário marcado pela fluidez dos elementos, Ventura lida com os instantes. Composições que encolhem e crescem a todo momento, sempre de maneira intensa, como costuras sentimentais e rítmicas que parecem pensadas para bagunçar a experiência do ouvinte. “Sabe eu acho que nada é tão definitivo assim / E o que há entre nós muda, tudo é passageiro“, canta em Nada Pra Ensinar, Muito Pra Aprender, música que parte do permanente senso de descoberta vivido por um casal, mas que acaba representando a natureza mutável do registro, entrecortado pelo uso de ruídos e sobreposições ocasionais.

Exemplo disso fica bastante evidente no que talvez seja uma das principais faixas do disco, Privação. Enquanto os versos refletem o que há de mais doloroso na obra de Ventura – “Proibi a mim e a todo mundo de falar teu nome / Reprimi a mim e todo mundo por lembrar teu nome” –, camadas de guitarras se espalham em meio a ambientações labirínticas, vozes carregadas de efeitos e fragmentos que surgem e desaparecem durante toda a execução do material. Esse mesmo direcionamento ganha ainda mais destaque em Feito Palha (O Espaço), faixa que encolhe e cresce a todo instante, como uma interpretação ainda mais provocante de tudo aquilo que o artista havia testado com a Ventre em músicas como Carnaval.

Embora marcado pelo uso de formas inexatas, quebras e costuras rítmicas que atiçam a curiosidade do ouvinte, não há como ignorar que muitas das composições apresentadas em Tarde utilizam de uma arquitetura bastante similar. São faixas que começam pequenas, por vezes regidas pela economia dos elementos, porém, maiores a cada novo movimento de Ventura. O próprio uso das vozes, detalhando versos semi-declamados, parece contribuir para esse resultado. É como se parte expressiva do repertório orbitasse um universo bastante particular, tratamento que se reflete até os minutos finais do trabalho.

Se por um lado esse lento desvendar de informações e evidente aproximação entre as faixas torna a experiência de ouvir o trabalho arrastada, por outro, concentra o que há de melhor no som produzido por Ventura. A exemplo do que havia testado com a Ventre, Tarde é uma obra que depende da ausência de pressa para alcançar a atmosfera sufocante que potencializa os versos lançados pelo artista. Canções que condensam memórias, dores e momentos de maior vulnerabilidade de forma sempre expositiva, direcionamento que tensiona com crueza a execução do registro mesmo nos momentos de maior calmaria.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.