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Crítica

Genesis Owusu

: "Smiling with No Teeth"

Ano: 2021

Selo: House Anxiety / Ourness

Gênero: Rap, R&B, Rock Alternativo

Para quem gosta de: Young Fathers, Bartees Strange e Yves Tumor

Ouça: Don't Need You e The Other Black Dog

8.0
8.0

Genesis Owusu: “Smiling with No Teeth”

Ano: 2021

Selo: House Anxiety / Ourness

Gênero: Rap, R&B, Rock Alternativo

Para quem gosta de: Young Fathers, Bartees Strange e Yves Tumor

Ouça: Don't Need You e The Other Black Dog

/ Por: Cleber Facchi 18/03/2021

Smiling With No Teeth (2021, House Anxiety / Ourness) é um desses trabalhos que fazem você pensar: “o que está acontecendo aqui?“. Produto da criativa colagem de ritmos que passeia por diferentes campos da música de forma propositadamente inexata, o primeiro álbum do rapper, compositor e produtor Kofi Owusu-Ansah, o Genesis Owusu, faz de cada composição um objeto a ser explorado de maneira isolada pelo ouvinte. São fragmentos de vozes, retalhos instrumentais, batidas e pequenas experimentações que estabelecem no misto de canto e rima proposto pelo artista um importante elemento de aproximação entre as faixas. Instantes de caos que antecedem momentos de breve calmaria e evidente leveza, indicativo do completo domínio do cantor em relação à própria obra.

Parte desse direcionamento plural dado ao disco vem justamente das vivências e da forte relação cultural que envolve o artista desde os primeiros anos de vida. Nascido em Koforidua, em Gana, porém, criado em Canberra, capital da Austrália, Owusu foi introduzido à música negra, principalmente o rap, ainda na infância, efeito direto da forte relação com o irmão, também rapper e cinco anos mais velho. Mesmo inspirado pela obra de veteranos, como Outkast, Erykah Badu e Prince, foi com o lançamento de To Pimp a Butterfly (2015), de Kendrick Lamar, que o jovem compositor encontrou a principal fonte de inspiração, fazendo do desejo em narrar boas histórias a base para uma seleção de registros isolados como Cardrive EP (2017), além de músicas isoladas como Wit’ Da Team e Sideways.

Entretanto, é com a chegada do presente disco que Owusu de fato diz a que veio. Do momento em que tem início, na insana On The Move!, música que parece saída de algum disco do Death Grips, até alcançar a derradeira Bye Bye, com suas guitarras atmosféricas, evidente é o esforço do artista em testar os próprios limites dentro de estúdio. Como pano de fundo conceitual, o músico ganês estabelece em temas como racismo e as conquistas do povo preto um elemento de imediato diálogo com o ouvinte. Exemplo disso acontece em The Other Black Dog, canção que funciona como uma importante síntese temática para o álbum. “Uma história sobre cães pretos com coleiras douradas / Histórias quebradas, contadas de forma jocosa / Quem é o animal de estimação e quem é o professor?“, questiona.

O mais interessante talvez seja perceber a forma como Owusu incorpora temas essencialmente densos, porém, dentro de uma linguagem descomplicada. Perfeita representação desse resultado acontece em I Don’t See Colour. Entre batidas que parecem saídas de algum disco de Kanye West, uma das principais influência do rapper, versos marcados pelo forte debate racial garantem maior profundidade ao trabalho. “Mas você não sente nada / Quando você vê o homem árabe, são as bombas e sinalizadores / Quando você vê o homem asiático, é o susto amarelo / Quando você vê o homem negro, seus tumultos e terror“. Mesmo quando mergulha em experiências sentimentais, como em Don’t Need You, evidente é o esforço em alcançar o equilíbrio entre a sobriedade das letras e a base melódica que move o álbum.

Nesse sentido, Smiling With No Teeth soa como uma interpretação ainda mais acessível daquilo que Young Fathers, Bartees Strange e Yves Tumor têm incorporado aos seus trabalhos. São canções que se aprofundam no sofrimento do homem negro, discutem racismo e repressão, mesmo imersas em camadas de sintetizadores e batidas deliciosamente dançantes. Um exercício contrastante que se reflete na própria distribuição das faixas no interior do trabalho. Momentos de parcial turbulência que antecedem momentos de maior calmaria. De fato, é como se Owusu jogasse com os instantes, estrutura que se reflete nos pequenos atos instrumentais que surgem dentro de cada composição, vide a colorida sobreposição de ideias em músicas como Don’t Need You e a pulsante Drown.

Conceitualmente bem-resolvido, direcionamento que vai do material de divulgação à estética incorporada aos clipes, Smiling With No Teeth reflete a imagem de um artista que já nasce maduro. Contudo, longe de parecer um personagem de uma obra só, Owusu utiliza do álbum como um precioso exercício de apresentação, deixando o caminho aberto para os futuros lançamentos. Observado de maneira atenta, cada composição do disco funciona como um ensaio para o compositor ganês. Canções que vão do neo-soul (Gold Chains) ao pós-punk (Black Dogs!), do pop (A Song About Fishing) à produção eletrônica (On The Move!) de forma sempre atrativa e entusiasmada, prova de que o rapper ainda tem muito a oferecer.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.