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Crítica

Guaxe

: "Guaxe"

Ano: 2019

Selo: OAR

Gênero: Experimental, Rock Psicodélico

Para quem gosta de: Boogarins, Supercordas e Bike

Ouça: Onda e Povo Marcado

8.0
8.0

Guaxe: “Guaxe”

Ano: 2019

Selo: OAR

Gênero: Experimental, Rock Psicodélico

Para quem gosta de: Boogarins, Supercordas e Bike

Ouça: Onda e Povo Marcado

/ Por: Cleber Facchi 02/10/2019

O que acontece quando dois dos nomes mais importantes da psicodelia brasileira em sua fase mais recente se encontram dentro de estúdio? A resposta para essa pergunta está nas canções do delirante Guaxe (2019, OAR). Primeiro registro da parceria homônima entre Pedro Bonifrate (Supercordas) e Dinho Almeida (Boogarins), o trabalho de apenas sete faixas utiliza desse breve encontro como um estímulo para um som puramente mágico. Canções consumidas pelos ruídos, versos de essência onírica e instantes de breve experimentação, como um avanço claro em relação ao material entregue por cada integrante em seus principais projetos paralelos.

E isso se reflete tão logo o registro tem início, na inaugural Desafio do Guaxe. Produto do isolamento da dupla em um sítio, na região de Paraty, no interior do Rio de Janeiro, a canção se espalha em meio a guitarras carregadas de efeitos e a bateria marcada, estímulo para a colorida desconstrução dos arranjos e uso de versos sempre descritivos, resultado da imersão nesse cenário rodeado pela vegetação e animais silvestres, como pássaro que dá título à obra. Uma completa ausência de certeza, estrutura que alcança um resultado minimamente acessível na canção seguinte, Pupilxs. São pouco mais de três minutos em que os dois artistas vão do rock rural produzido pelo próprio Supercordas, em Seres Verdes Ao Redor (2006), à lisergia do Boogarins de forma deliciosamente leve, despretensiosa.

É partindo justamente desse jogo entre músicas de essência labiríntica e faixas menos complexas que a dupla orienta a experiência do ouvinte até o último instante da obra. Exemplo disso está na dobradinha composta pela atmosférica Rio Abaixo, com seus ruídos e captações caseiras, e a crescente Nilo, canção que vai da psicodelia clássica ao uso de temas arábicos. Um criativo turbilhão de ideias que se completa pela poesia existencialista de Almeida. “Já não entendo minhas necessidades / Se busco a verdade mas pareço me enganar / Estou vazio e vivo por um fio / E a cada suspiro eu sinto a vida me escapar / Eu vi meu Nilo secar“, reflete.

Interessante perceber em músicas como Onda, quinta faixa do disco, uma criativa colisão entre esses dois universos conceituais. Inaugurada em meio a batidas rápidas, por vezes íntimas do material apresentado em Lonerism (2012), grande obra do Tame Impala, a canção ganha forma a partir da manipulação das guitarras e vozes sobrepostas, sempre intercaladas entre cada colaborador. “Nunca te vi quebrar a onda / Nunca senti tua chama viva / E agora quer subir nas costas / E agora quer secar minha brisa“, cresce a letra da canção, como um estímulo para a poesia crítica que assume contornos políticos no decorrer da obra.

Passado o respiro breve, em Avesso, música que parece resgatada de algum disco em carreira solo do próprio Bonifrate, a densa Povo Marcado pontua o disco em grande estilo. Maior a cada nova audição, a faixa parte de uma base semi-acústica, como se voltada ao blues psicodélico de Zé Ramalho, para se perder em um território de pura corrupção estética e improviso. Mesmo os versos da canção parecem tratados de forma cíclica e complementar, como um mantra que se conecta diretamente aos arranjos lançados pelos músicos — “Corpo matado / Jogo endossado / Eu em cima de mim / O mau velado / O nó trançado / Eu em cima de mim“. Um lento desvendar de ideias e experiências que amplia tudo aquilo que a dupla parece explorar desde a faixa de abertura do disco.

Propositadamente caótico, como tudo aquilo que Bonifrate e Almeida tem revelado nos últimos anos, Guaxe perverte o rock psicodélico em sua estrutura tradicional para mergulhar o ouvinte em um universo próprio de seus realizadores. O mais interessante talvez seja perceber a forma como a dupla lida com diferentes conceitos, sonoridades e temas mesmo em um curto espaço de tempo. São pouco menos de 30 minutos em que o trabalho vai da parcial sensação de acolhimento, explícita em músicas como Avesso, à completa desconstrução das formas instrumentais, base para faixas como Onda e Desafio do Guaxe. Um imenso catálogo de ideias, muitas delas incompletas, mas que refletem a completa versatilidade dos dois artistas dentro de estúdio.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.