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Crítica

Ian Ramil

: "Tetein"

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Experimental, Art Rock

Para quem gosta de: Duda Brack e Poty

Ouça: Mil Pares, O Bichinho e Macho-Rey

8.6
8.6

Ian Ramil: “Tetein”

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Experimental, Art Rock

Para quem gosta de: Duda Brack e Poty

Ouça: Mil Pares, O Bichinho e Macho-Rey

/ Por: Cleber Facchi 30/06/2023

O que mais me fascina no trabalho de Ian Ramil não é a capacidade do cantor e compositor gaúcho em transitar por entre estilos de forma sempre imprevisível, mas em fazer com que peças tão contrastantes se encaixem de maneira harmônica dentro de cada novo álbum de estúdio. Terceiro e mais recente disco de inéditas do artista, Tetein (2023, Independente) é o exemplo máximo disso. Dividido entre cantigas ensolaradas que buscam inspiração na própria filha, Nina, e composições que parecem pensadas para atormentar jovens adultos, o material vai de um canto a outro sem necessariamente parecer inconsistente.

Com a própria faixa-título como música de abertura, Ramil se apresenta ao público de forma convidativa, acolhe e confessa sentimentos. “Posso passar o dia viajando em vocês“, canta em meio a arranjos de cordas e melodias que parecem resgatadas de algum disco de Brian Wilson. Porém, essa é apenas uma das diferentes propostas criativas incorporadas pelo artista no decorrer do trabalho. Passado o interlúdio de Canção de Chapeuzinho Vermelho, dividido com a filha, o compositor abre passagem para o lado mais sombrio da obra, feito reforçado com a chegada de Macho-Rey, uma análise minuciosa sobre a temática da masculinidade tóxica e uma síntese das inquietações urbanos que surgem e desaparecem pelo registro.

Muito embora pareça apontar e percorrer caminhos bastante específicos, Tetein a todo momento rompe com qualquer traço de conforto em um exercício que potencializa tudo aquilo que o cantor havia testado em Ian (2013) e Derivacivilização (2015). Exemplo disso fica evidente em Cantiga de Nina, faixa que escapa a atmosfera moderna do disco para soar como um chorinho empoeirado dos anos 1950. É como uma fuga breve do restante da álbum, mas que logo retorna ao núcleo da obra com a canção seguinte, O Mundo é Meu País, colaboração com Luiz Gabriel Lopes em parte de observações sobre a humanidade em busca de respostas pessoais. “Não tenho a menor pressa de encontrar / A incerteza é uma glória“, canta Ramil.

O mais interessante talvez seja perceber como esses diferentes atravessamentos de informações se cruzam em momentos específicos do trabalho. Em Lego Efeito Manada, por exemplo, são orquestrações e ruídos sintéticos que se completam pela letra que soa como um chamado à revolução. É como um preparativo para o que se revela de forma ainda mais complexa e musicalmente imprevisível na já conhecida Mil Pares, canção que reforça o lirismo político adiantado em Macho-Rey, porém, amplia o próprio escopo, indo da queda das grandes corporações e redes sociais ao olhar para diferentes aspectos da nossa sociedade.

Passado esse momento de maior contestação, Ramil mais uma vez regresso ao espaço de acolhimento da obra para encantar pela delicadeza de O Bichinho, outra homenagem à Nina. É como se para cada análise sufocante sobre o ambiente que o cerca, o compositor gaúcho encontrasse na própria filha uma fonte inesgotável de esperança, proposta que garante maior fluidez e incontestável beleza ao material. Claro que isso não exime o trabalho de alguns tropeços e pequenas repetições. Precedida pelo caráter emocional de Teletransporte e o experimentalismo de Palavras-Vão, Homem-Bomba segue a trilha apresentada em Lego Efeito Manada e Mil Pares, contudo, pouco avança lírica e musicalmente, esticando a duração do disco.

Finalizado no acabamento reducionista de Cantiga de Nina II, faixa que soa como uma delicada canção de ninar e usa apenas das vozes do artista, Tetein serve de passagem para um mundo próprio de Ramil, mas que a todo momento estreita laços e busca jogar com a interpretação do ouvinte. Primeiro trabalho de inéditas após um longo intervalo de oito anos, o álbum não apenas assume a função de reapresentar o compositor, como utiliza das vivências e inquietações acumuladas durante esse período de hiato como estímulo para uma obra maior e ainda mais provocativa do que qualquer outro lançamento do cantor.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.