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Crítica

Iara Rennó

: "Orí Okàn"

Ano: 2023

Selo: Dobra Discos

Gênero: MPB

Para quem gosta de: Serena Assumpção e Josyara

Ouça: Logun e Chamado de Oxumarê

7.3
7.3

Iara Rennó: “Orí Okàn”

Ano: 2023

Selo: Dobra Discos

Gênero: MPB

Para quem gosta de: Serena Assumpção e Josyara

Ouça: Logun e Chamado de Oxumarê

/ Por: Cleber Facchi 21/06/2023

A transformadora jornada espiritual iniciada durante a apresentação de Oríkì (2022) alcança um novo e delicado capítulo com a chegada de Orí Okàn (2023, Dobra Discos). Sequência ao material entregue há poucos meses pela cantora e compositora paulistana Iara Rennó, o trabalho de onze faixas continua a se aprofundar nos estudos da multiartista após um processo de iniciação no candomblé, porém, utiliza de uma abordagem diferente. Enquanto o disco revelado no último ano funcionava como um exercício de saudação, com o presente álbum, se Rennó volta para si em um repertório de essência contemplativa.

São composições de efeito curativo, evocando orixás, sentimentos e sensações em uma abordagem tão sutil que parece simplesmente se desfazer no ar. “Aqui estou eu com minha voz recebendo a luz desse chão / Sagrado caminho que corre infinito / Pros braços abertos do mar“, canta logo nos minutos iniciais do disco, na releitura de Iemanjá, música originalmente apresentada por Serena Assumpção no álbum Ascensão (2016), mas que funciona como um exercício de passagem para o fino repertório de Orí Okàn. Canções adornadas por pinceladas instrumentais e poéticas que parecem pensadas para confortar o ouvinte.

Parte desse resultado vem do esforço da paulistana, responsável pela composição quase que integral do disco, em utilizar de uma abordagem essencialmente reducionista. Enquanto o álbum anterior chamava a atenção pelo uso destacado de elementos percussivos, metais e diferentes componentes que pareciam ampliar o canto ritualístico de Rennó, em Orí Okàn, a artista segue o caminho oposto. São criações regidas em essência pelo uso das vozes e violões, estrutura que se completa pela inserção calculada das batidas e acréscimos ocasionais que embalam a experiência do ouvinte até que a última faixa seja apresentada.

Claro que tamanha economia na montagem de um material já marcado pelo aspecto meditativo tem seus riscos. Assim como o trabalho que o antecede, Orí Okàn é um registro que exige uma audição atenta por parte do ouvinte durante toda sua execução. São ambientações sutis e movimentos precisos de violão, estrutura que se completa pelo uso de letras projetadas como mantras, mas que acabam reforçando a sensação de uma obra cíclica, por vezes arrastada. Falta ao disco a mesma estrutura contrastante impressa nas canções de Oríkì, proposta que invariavelmente tende a consumir o processo de audição das faixas.

Não por acaso, sobrevive nos pequenos diálogos de Rennó com diferentes colaboradores a passagem para algumas das criações mais interessantes e musicalmente diversas do disco. Em Oluayê, são os pianos e vozes complementares do pernambucano Zé Manoel que transportam o álbum para um novo território criativo. A mesma riqueza de detalhes volta a se repetir minutos à frente, em Logun, agora em companhia de Moreno Veloso. Nada que se compare ao material entregue em Chamado de Oxumarê, música que se engrandece pelas vozes de Karina Buhr e uso de metais que concedem um caráter jazzístico à composição.

Manifestação poética de uma jornada pessoal que teve início há mais de duas décadas, quando a artista passou a se relacionar de forma ainda mais intensa com o candomblé, Orí Okàn segue de onde a cantora parou no último ano, porém, trilha um caminho totalmente particular. Mesmo que parte das composições pareçam ancoradas em uma abordagem excessivamente reducionista, limitando o alcance e fluidez do material, Rennó trata tudo de maneira tão graciosa que é difícil não se deixar conduzir e embarcar na viagem transcendental que orienta a experiência do ouvinte do primeiro ao último instante do material.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.