Image
Crítica

Índio da Cuíca

: "Malandro 5 Estrelas"

Ano: 2021

Selo: QTV

Gênero: Samba, MPB

Para quem gosta de: Martinho da Vila e Rodrigo Campos

Ouça: Cuíca Malandra e Jogo de Malandro

9.0
9.0

Índio da Cuíca: “Malandro 5 Estrelas”

Ano: 2021

Selo: QTV

Gênero: Samba, MPB

Para quem gosta de: Martinho da Vila e Rodrigo Campos

Ouça: Cuíca Malandra e Jogo de Malandro

/ Por: Cleber Facchi 10/05/2021

A cuíca é boa / Não posso parar de tocar“. Os versos lançados por Índio da Cuíca logo nos primeiros minutos de Cuíca Malandra / Cuíca Encantada, terceira faixa de Malandro 5 Estrelas (2021, QTV), sintetizam a devoção do músico carioca ao instrumento que o acompanha há mais de cinco décadas. Conhecido pelo trabalho como colaborador de nomes como Alcione, Roberto Carlos e Jair Rodrigues, o artista que esteve envolvido em grupos como Corda K Samba e Brasil Ritmo, estreia em grande estilo com uma obra de repertório amplo, porém, centrada em essência no atrito melódico que sutilmente envolve as canções. São fragmentos que contam histórias, detalham personagens e confessam sentimentos sempre atrelados ao universo particular do multi-instrumentista.

Com direção musical e arranjos de Gabriel de Aquino e co-direção do cuiqueiro e pesquisador Paulinho Bicolor, o trabalho de dez faixas diz a que veio logo nos primeiros segundos, na introdutória A Cuíca Chora. São pouco mais de dois minutos em que o músico apresenta o time de instrumentistas que o cercam, porém, sempre posicionado em um lugar de destaque, proposta que embala a experiência do ouvinte até a música de encerramento do álbum, Baile do Bambu. E isso fica ainda mais evidente na canção seguinte, Stribinaite Camufraite Oraite, um calango psicodélico e louco, efeito direto do ronco ritmado, por vezes emulando um violino, conceito que acaba se refletindo em diversos momentos ao longo do registro, como na já citada Cuíca Malandra / Cuíca Encantada.

Com a chegada de Shirley, quarta faixa do álbum, o trabalho desacelera e engata em um bolero deliciosamente romântico. “Seus olhos são lindos / Como as estrelas / O seu amor me faz feliz“, confessa em meio a camadas de cavaquinho e bandolim, batidas econômicas e a linha de baixo suculenta Guto Wirtti, responsável pelo instrumento durante toda a execução da obra. A mesma leveza acaba se refletindo na canção seguinte, Jogo de Malandro, música que parte de uma base atmosférica, mas que cresce em essência na percussão ritmada e texturas de Luizinho do Jêje e Pedrinho Ferreira. Um lento desvendar de ideias e novas possibilidades que vai do samba à capoeira em um intervalo de poucos minutos, como uma parcial fuga da direção apontada em A Cuíca Chora.

Posicionada no meio do disco, como um respiro breve, a instrumental Brincando em Ré Maior abre passagem para a porção seguinte do trabalho, ainda mais contida, mas não menos expressiva. E isso fica bastante em Medley de Ogum, composição de temática ritualística que ganha forma em uma medida própria de tempo, sem pressa, tratamento que vai da construção das batidas ao uso das vozes, proposta que muito se assemelha ao material entregue no ainda recente Olorum (2020), de Mateus Aleluia. “Ogum já venceu / Ogum venceu a guerra / Com Ogum só Deus“, canta Índio da Cuíca enquanto o violão sereno se encontra com a percussão volumosa. São pequenos contrastes e quebras que se dividem entre a calmaria e o caos, conceito reforçado pela chegada da cuíca nos minutos finais da canção.

E o instrumento ganha ainda mais destaque na música seguinte, Melódica. Assumida em totalidade pelo cuiqueiro, a canção parte de uma abordagem tradicionalista, porém, cresce na captação duplicada e sobreposta, dando maior profundidade ao registro. Mesmo os ruídos que escapam a cada novo movimento orquestrado pelo artista se transformam em um importante componente criativo. Frações instrumentais que rompem com a grandiosidade presente nos minutos iniciais do trabalho, mas que acabam servindo como um preparativo para o material entregue na faixa seguinte, Sonho Realizado. Um samba romântico que evoca Paulinho da Viola, como uma extensão da proposta apresentada momentos antes, em Shirley, outra importante manifestação do lado sentimental do disco.

Embora deslocada, como uma completa fuga do restante da obra, a derradeira Baile do Bambu garante ao disco um fechamento precioso. Perfeita representação da versatilidade de Índio da Cuíca, a canção parte de uma batida típica do funk carioca em seus ano iniciais, passa pela cuíca delirante do artista e cresce em meio a reverberações ecoadas, tocando de leve em elementos do dub. É como se o músico que nasceu e cresceu no morro do Borel, na Zona Norte do Rio de Janeiro, transportasse para dentro de estúdio parte das vivências e toda a transformação, rítmica e pessoal, vivida nos últimos anos. Um misto de passado e presente que se manifesta durante toda a execução da obra, tratamento que tinge com curiosidade e fino toque de renovação cada mínimo fragmento do registro.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.