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Crítica

Ítallo

: "Tarde no Walkiria"

Ano: 2023

Selo: Lab 344

Gênero: Indie, MPB

Para quem gosta de: Bruno Berle e Tori

Ouça: Dr. Manoel e Retrato de Maria Lúcia

8.3
8.3

Ítallo: “Tarde No Walkiria”

Ano: 2023

Selo: Lab 344

Gênero: Indie, MPB

Para quem gosta de: Bruno Berle e Tori

Ouça: Dr. Manoel e Retrato de Maria Lúcia

/ Por: Cleber Facchi 29/05/2023

Em um intervalo de poucos segundos, orquestrações sutis abrem passagem para a inserção de pianos que, por sua vez, desembocam nos atabaques de um terreiro e servem de passagem para a sanfona que ainda articula a inserção das vozes: “Já não existe medo“. É partindo dessa inusitada combinação de elementos e vontade expressa na voz em explorar novos territórios que o cantor, compositor e produtor alagoano Ítallo França mergulha no terceiro e mais recente trabalho em carreira solo, Tarde No Walkiria (2023, Lab 344), uma obra que assume diferentes formatações e propostas criativas, mas que nunca perde sua consistência.

Dentro desse cenário onde tudo e nada pode acontecer, Ítallo se aprofunda nas próprias inquietações de forma a estreitar laços com o ouvinte. São composições com temperatura, cheiro, tato e memória, efeito direto da lírica minuciosa que se divide entre cenas descritivas e exposições sentimentais. Não, Tarde No Walkiria não é um disco fácil e exige um esforço danado para que faixas repletas de significados ocultos sejam aos poucos desvendadas. Entretanto, uma vez ambientado ao estranho material que se divide entre bases acústicas e experimentações com a música eletrônica, difícil não se deixar conduzir pelo artista.

Quando canta sobre o amor, Ítallo traduz sentimentos complexos com uma naturalidade e sutileza que emociona logo em uma primeira audição. “Se o amor é alimento / A fome da presença tua / Vai morrendo quando / Eu chego na tua rua“, confessa em Retrato de Maria Lúcia. São criações montadas a partir de fragmentos do cotidiano, como histórias inteiras extraídas dos segundos de silêncio vividos por um casal. “A gente se entende no olhar / é clichê, não vamos discutir / Então vem o fim de semana / E mesmo com pouca grana, chamo pra sair“, canta em Palavra de Amor, música que sintetiza parte desse lirismo atento.

Entretanto, é quando se distancia dos temas sentimentais que o também autor de Casa (2016) e O Time da Mooca (2016) garante ao público algumas de suas melhores criações. E isso fica bem representado na poesia dilacerante de Dr. Manoel. Partindo de pequenas observações sobre as próprias experiências como músico, o compositor alagoano pinta um retrato melancólico sobre a vida livre de grandes perspectivas encarada por qualquer jovem adulto. “Venho notado nas caras das pessoas / Um ar de tristeza presente em minha geração“, detalha o artista em meio a ambientações sutis que potencializam a grandeza dos versos.

É como se fossemos convidados a partilhar de sentimentos e experiências tão intimistas que passam a ser nossas. Um exercício de exposição emocional que vez ou outra se projeta de maneira enigmática, como na poesia cifrada que engrandece a própria faixa-título, mas que em nenhum momento deixa de dialogar com o ouvinte. Mesmo a base instrumental parece contribuir para esse resultado. Livre de possíveis excessos, Ítallo investe uma arquitetura minimalista que naturalmente garante maior destaque à palavra, como em Berlim, composição que contrasta a sobriedade da poesia com completa delicadeza dada aos arranjos de cordas. “Se em algum momento ousares / Dizer que sabes quem sou / Serás condenado à mentira“, canta.

Embora parta de uma abordagem particular, por vezes íntima apenas do compositor alagoano, Tarde No Walkiria destaca o aspecto colaborativo de Ítallo. Da produção assinada em parceria com Paulo Franco, passando pelas vozes e interferências ocasionais de nomes como Bruno Berle, Marina Nemésio, Bruno Di Lullo e Tori, com quem divide a canção de encerramento, Para Anastácia, sobram momentos em que o músico busca estabelecer diferentes conexões emocionais, proposta que tem início em estúdio, segue para os fones de ouvido, mas parece se estender e reverberar com delicadeza para além dos limites da obra.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.