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Crítica

Jónsi

: "Shiver"

Ano: 2020

Selo: Krunk

Gênero: Experimental, Eletrônica, Art Pop

Para quem gosta de: Björk, Baths e Julianna Barwick

Ouça: Cannibal, Kórall e Salt Licorice

8.0
8.0

Jónsi: “Shiver”

Ano: 2020

Selo: Krunk

Gênero: Experimental, Eletrônica, Art Pop

Para quem gosta de: Björk, Baths e Julianna Barwick

Ouça: Cannibal, Kórall e Salt Licorice

/ Por: Cleber Facchi 19/10/2020

Quando se é responsável por uma estética e uma identidade musical tão característica, qualquer traço de mudança, mesmo o mais sutil, é sempre encarado com desconfiança. E Jónsi parece entender bem isso. Longe dos parceiros de banda do Sigur Rós, o cantor, compositor e produtor islandês utiliza do segundo álbum em carreira solo, Shiver (2020, Krunk), como um precioso exercício de ruptura criativa. Canções que preservam tudo aquilo que o músico tem produzido em mais de duas décadas de carreira, vide a delicadeza explícita em obras como Ágætis Byrjun (1999), Takk… (2005) e Go (2010), porém, partindo de um novo direcionamento conceitual, estrutura que se reflete no uso destacado das batidas, ruídos e ambientações eletrônicas.

Diferente do disco anterior, em que entrou em estúdio acompanhado de um time seleto de instrumentistas, Jónsi decidiu investir em uma obra de essência reducionista, fazendo da base sintética o principal componente temático para o fortalecimento do álbum. Parte expressiva dessa mudança vem da forte relação entre o compositor islandês e o produtor britânico A. G. Cook. Conhecido pelo trabalho como criador da PC Music e colaborador de nomes como Charli XCX e Caroline Polachek, o artista britânico assume a função de “sujar” o material produzido pelo músico, proposta que naturalmente transporta Shiver para dentro de um novo território criativo.

São fragmentos eletrônicos, glitches e incontáveis quebras que tornam a experiência de ouvir o trabalho sempre imprevisível. Instantes em que o músico islandês parte das mesmas ambientações etéreas que fizeram dele um dos nomes mais cultuados do gênero, porém, percorrendo um labirinto de sons e formas musicalmente instáveis. Exemplo disso acontece em Kórall, sexta faixa do disco. São pouco mais de seis minutos em que Jónsi utiliza de uma base contida como sustentação para uma sequência de beats tortos e vozes carregadas de efeito, como um estranho remix de tudo aquilo que o artista havia testado durante o lançamento do álbum anterior.

A própria música de abertura, Exhale, parece dar boas pistas do que será apresentado mais à frente. Inaugurada em meio a arranjos atmosféricos, a canção rapidamente se transforma em um turbilhão instrumental onde cada fragmento de voz ou batida transporta o ouvinte para um novo cenário. Esse mesmo direcionamento acaba se refletindo em outros momentos ao longo da obra, como em Wildeye, composição que destaca o uso de experimentações metálicas, típicas de Cook, além, claro, da ótima Salt Licorice, faixa em que atravessa as pistas ao lado de Robyn, indicando a porção mais acessível e, ainda assim, delirante do trabalho.

Dos poucos momentos em que resgata parte da linguagem incorporada nos antigos trabalhos, Jónsi garante ao público uma seleção de faixas marcadas pela leveza dos arranjos e profunda entrega emocional. É o caso da já conhecida Cannibal. Completa pela presença de Elizabeth Fraser, do Cocteau Twins, a composição ganha forma em meio a ambientações sublimes e vozes tratadas como instrumentos. “Você sabe que eu sou um canibal / Eu removo seu coração respirando / Você sabe que é por amor“, confessa enquanto cada fragmento da canção ganha forma em uma medida própria de tempo, conceito que acaba se refletindo em outros momentos ao longo da obra, como em Sumarið Sem Aldrei Kom e Grenade.

Pontuado por momentos de maior experimentação, caso de Swill, e faixas marcadas pela delicadeza dos elementos, como na derradeira Beautiful Boy, Jónsi garante ao público uma obra equilibrada. Para além da fina desconstrução do repertório testado pelo músico islandês no Sigur Rós, parte expressiva do álbum nasce do desejo do artista em ampliar tudo aquilo que foi apresentado nos últimos anos, como o encontro com Troye Sivan, em Revelation, e o material entregue há poucos meses, durante o lançamento de Lost And Found (2019), colaboração com o marido e parceiro de longa data, o músico Alex Somers. Instantes em que o cantor confirma a própria relevância artística e capacidade de se reinventar criativamente mesmo preservando a própria essência.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.