Image
Crítica

Kendrick Lamar

: "Mr. Morale & the Big Steppers"

Ano: 2022

Selo: pgLang / Top Dawg / Aftermath / Interscope

Gênero: Hip-Hop, Rap

Para quem gosta de: ScHoolboy Q e Denzel Curry

Ouça: Mother I Sober e Father Time

8.6
8.6

Kendrick Lamar: “Mr. Morale & the Big Steppers”

Ano: 2022

Selo: pgLang / Top Dawg / Aftermath / Interscope

Gênero: Hip-Hop, Rap

Para quem gosta de: ScHoolboy Q e Denzel Curry

Ouça: Mother I Sober e Father Time

/ Por: Cleber Facchi 23/05/2022

Mr. Morale & the Big Steppers (2022, pgLang / Top Dawg / Aftermath / Interscope) não é apenas um disco. É uma verdadeira jornada pela mente, traumas, medos e inquietações de Kendrick Lamar. Do momento em que tem início, na voz do cantor Sam Dew (“Espero que você encontre alguma paz de espírito nesta vida“), cada fragmento do disco se projeta de forma expositiva e dolorosa. São canções que tratam sobre desenvolvimento pessoal, porém, consumidas por anos de repressão. É como se o rapper, agora pai de dois filhos, buscasse exorcizar os próprios demônios de forma a pavimentar um caminho seguro para o futuro.

Conceitualmente dividido em dois blocos específicos de nove canções, totalizando 18 faixas e mais de 70 minutos de duração, o sucessor de DAMN (2017) sustenta na porção inicial a passagem para o lado mais frenético e atormentado da obra. Do ritmo imposto à introdutória United in Grief, com suas batidas e pianos entrelaçados, passando construção de músicas como N95 e Worldwide Steppers, tudo parece pensado para sufocar o ouvinte. São rimas tratadas de maneira urgente e movimentos rápidos que funcionam como uma representação do turbulento fluxo de pensamento que parece consumir a mente do próprio artista.

Nada que impossibilite a construção de faixas marcadas pelo uso de temas contemplativos e momentos de maior recolhimento. É o caso de Father Time, parceria com Sampha em que explora em temas como paternidade e masculinidade tóxica de forma bastante sensível, ampliando tudo aquilo que havia testado no disco anterior. A própria We Cry Together, mesmo partindo da mesma aceleração imposta nos minutos inicias da obra, transporta o álbum para um novo território. Pouco menos de seis minutos em que o artista, acompanhado pela atriz Taylour Paige, mergulha de cabeça na relação conflituosa vivida por um casal.

Com a chegada de Count Me Out, Lamar abre passagem para a porção seguinte do disco. Enquanto os versos, sempre marcados pela vulnerabilidade, se aprofundam em conflitos existenciais, tormentos e memórias de um passado distante, o artista aproveita para estreitar a relação com o escritor Eckhart Tolle, autor de O Poder do Agora (1997), e provar de novas direções criativas. São arranjos de cordas, pianos de Duval Timothy e inserções sublimes que contribuem para a atmosfera melancólica da obra. De fato, poucas vezes antes um trabalho produzido pelo rapper pareceu tão coeso musicalmente quanto o presente álbum.

Sobrevive justamente nesse minucioso processo de criação o estímulo para algumas das melhores e mais controversas composições do disco. É o caso de Auntie Diaries, música em que discute transição de gênero a partir de duas personagens diferentes, intercalando entre momentos de questionável provocação e acolhimento. Nada que se compare ao material entregue em Mother I Sober, faixa que se completa pela presença de Beth Gibbons, do Portishead, e utiliza de temas como o histórico de abusos sexuais sofridos por pessoas pretas, pequenos excessos e a necessidade de seguir em frente, mesmo de maneira errática.

Ao final dessa longa jornada, com a libertação pessoal proposta em Mirror, Lamar garante ao público um exercício criativo de inegável beleza, porém, exaustivo. Por se tratar de obra conceitual, onde parte expressiva das faixas servem de passagem para a música seguinte, não são poucos os momentos em que os mesmos temas e estruturas acabam se repetindo. São canções que dão voltas em torno de um reduzido conjunto de ideias, rimas, ritmos e sensações, limitando o desenvolvimento e possíveis interpretações sobre o trabalho. Composições que servem de passagem para um ambiente particular, porém, nunca inacessível e desinteressantes, como um acumulo do que há de melhor e mais sofisticado nas criações do artista.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.