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Crítica

Leila Maria

: "Ubuntu"

Ano: 2022

Selo: Biscoito Fino

Gênero: MPB, Jazz, Soul

Para quem gosta de: Alaíde Costa e Maria Bethânia

Ouça: Meu Bem Querer e Seca

8.0
8.0

Leila Maria: “Ubuntu”

Ano: 2022

Selo: Biscoito Fino

Gênero: MPB, Jazz, Soul

Para quem gosta de: Alaíde Costa e Maria Bethânia

Ouça: Meu Bem Querer e Seca

/ Por: Cleber Facchi 05/12/2022

A voz é a primeira coisa que ouvimos em Ubuntu (2022, Biscoito Fino). Imposta de maneira ritualística, por vezes transcendental, é ela quem conduz a experiência do ouvinte durante toda a execução do mais recente álbum de Leila Maria. Perto de completar três décadas de carreira, a carioca de Madureira foi redescoberta durante uma passagem pelo programa The Voice +, em 2021, e, poucos meses mais tarde, desafiada pela diretora artística Ana Basbaum a reinterpretar com liberdade o que talvez seja um dos repertórios mais complexos e inalteráveis da música popular brasileira, as canções do alagoano Djavan.

Acompanhada pelo produtor, multi-instrumentista e percussionista carioca Guilherme Kastrup (Elza Soares, Bruno Morais), Leila, que ainda conta com obras de essência jazzística, como Off Key (2004) e Canções De Amor Iguais (2007), utiliza da própria voz como um instrumento em que costura passado e presente, e ainda estreita relações com o continente africano. A própria Soweto como composição de abertura, resgatada do álbum Não É Azul Mas É Mar (1987), funciona como uma boa representação desse resultado. Instantes em que a artista, acompanhada pelo violão do congolês Zola Star, autor da incidental Tobina, destaca o aspecto político do registro e aponta a direção seguida em estúdio até os minutos finais.

São composições que começam pequenas, transitam por entre estilos e incorporam fragmentos que se conectam diretamente aos vocais, sempre destacados, da artista fluminense. Exemplo disso acontece na canção seguinte, música que parte do resgate de Aquele Um, do álbum Alumbramento (1979), dobra a esquina em Fato Consumado, de A Voz e o Violão (1975), e se completa pelo tema tradicional de Ponto de Exu Tiriri. É como se Leila, mais do que reverenciar a obra de Djavan, fosse em busca das pequenas particulares e elementos que tanto caracterizam as bases do som produzido pelo compositor de Maceió.

Dessa forma, mesmo quando se entrega ao repertório romântico do artista, como em Meu Bem Querer, Leila em nenhum momento esbarra no óbvio. Inaugurada pelo coro de vozes do Vocal Kuimba, grupo formado por jovens angolanos que hoje residem na cidade de São Paulo, a composição se revela aos poucos, potencializando a entrega emocional da artista carioca. Mesmo a percussão de Kastrup segue em uma medida própria de tempo, como um complemento aos vocais que encolhem e crescem a todo instante, ampliando tudo aquilo que o músico alagoano originalmente apresentou há mais de quatro décadas.

E ela está longe de ser a única canção a perverter o que durante anos parecia consolidado pelo artista. Uma das criações mais potentes do repertório de Djavan, Oceano, revelada no álbum homônimo de 1989, é cuidadosamente remodelada pelas vozes de Leila e amplo aparato instrumental que inclui elementos curiosos, como o ngoni, uma espécie de guitarra tradicional da África Ocidental. O mesmo acontece minutos à frente, em Flor de Lis, composição que segue em um ritmo particular, encolhe e cresce a todo instante, e ainda reforça a capacidade da cantora fluminense em imprimir a própria identidade criativa.

Entre diferentes adaptações e canções que destacam a força de Leila Maria durante a execução do material, a cantora aproveita ainda para estreitar relações e colaborar com diferentes artistas. É o caso da moçambicana Selma Uamusse, com quem combina sotaques em Asa, música que destaca a fluidez rítmica do disco. Nada que prepare o ouvinte para o espetáculo que é a derradeira Seca. Com versos declamados por Maria Bethânia, a faixa não apenas pontua o registro com excelência, como se conecta aos temas políticos detalhados na introdutória Soweto. Um misto de dor, acolhimento e fino toque de celebração, indicativo da completa riqueza de elementos que orienta o repertório montado pela artista em Ubuntu.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.