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Crítica

Letrux 

: "Letrux Como Mulher Girafa"

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Pop Rock

Para quem gosta de: Ava Rocha e Duda Beat

Ouça: Louva Deusa, Zebra e Aranha

8.4
8.4

Letrux: “Letrux Como Mulher Girafa”

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Pop Rock

Para quem gosta de: Ava Rocha e Duda Beat

Ouça: Louva Deusa, Zebra e Aranha

/ Por: Cleber Facchi 04/07/2023

Ruídos animalescos, sentimentos avassaladores e momentos de intensa vulnerabilidade emocional. Poucas vezes antes Letícia Novaes pareceu tão exposta quanto no fino repertório de Letrux Como Mulher Girafa (2023, Independente). Terceiro e mais recente trabalho de estúdio da cantora e compositora carioca como Letrux, o registro funciona como um passeio pela alma e mente da artista tijucana, porém, de forma libertadora. É como uma resposta ao material entregue durante o lançamento do contemplativo Letrux Aos Prantos (2020), proposta que vai do rico tratamento dado aos arranjos à potência das batidas e vozes.

Te cacei pra mim, te tirei o couro, tripas pra fora, tratei com amor / Embora não pareça, foi com amor que eu te destrinchei“, confessa logo nos minutos iniciais do disco, em As Feras, Essas Queridas, composição que se espalha em meio a sintetizadores predatórios e batidas ritualísticas, indicando a potência do som incorporado ao longo da obra. Parte desse resultado vem da escolha da artista em colaborar em estúdio com João Brasil, produtor que resgata a essência dançante do material entregue em Letrux em Noite de Climão (2017), porém, de forma essencialmente orgânica, destacando o uso dos instrumentos e texturas.

Exemplo disso pode ser percebido em Louva Deusa, terceira faixa do disco. Enquanto os versos mais uma vez destacam o lirismo confessional da artista (“Como se diz pra alguém/ ‘Eu não me apaixonei como você’?“), sons de gaivotas se entrelaçam em meio a sintetizadores, entalhes percussivos e batidas que fazem lembrar da estrutura ascendente de Freedom! ’90, de George Michael. Essa mesma riqueza de detalhes, porém, partindo de um novo direcionamento criativo, pode ser percebidas em Formiga, faixa que cresce aos poucos, destaca o uso dos pianos de Arthur Braganti e guitarras de Navalha Carrera, culminando em um turbilhão altamente psicodélico que vai do som de cavalos à já esperada poesia bilíngue de Novaes.

Observado de maneira atenta, cada composição do disco nasce como um agregado de informações que condensa décadas de referências, estilos e diferentes direções criativas, como um acumulo natural do que há de mais característico na obra de Novaes. Em Zebra, por exemplo, deliciosa parceria com Lulu Santos, difícil não pensar na canção como uma sequência ao material entregue em Flerte Revival. Já outras, como Abelha e Leões, apesar do acabamento eletrônico, poderiam facilmente ser adaptadas ao repertório do hoje extinto Letuce, antigo projeto da artista com o ex-marido, o cantor e compositor Lucas Vasconcellos.

Entretanto, mesmo nesse delirante cruzamento de informações, ritmos e vozes que apontam de um jeito particular para os antigos trabalhos da cantora, determinadas faixas conduzem o ouvinte em direção a um cenário completamente inesperado. É o caso de Aranha. Enquanto os versos se dividem entre o canto e a rima, guitarras carregadas de efeitos e ambientações delirantes vão de encontro ao mesmo território lisérgico de artistas como Spiritualized. Já outras, como a colorida Teste Psicológico Animal, revisitam a década de 1980 de forma atualizada, soando como uma composição da Xuxa embebida em anfetaminas.

Embora marcado pela permanente sobreposição de estilos e o esforço da artista em ampliar o próprio repertório, Letrux Como Mulher Girafa ecoa como uma obra consistente durante toda sua execução. Claro que essa forte relação entre as faixas, direcionamento que vai dos timbres à escolha dos temas, não exime o álbum de alguns tropeços. E isso se reflete no excesso de intervalos entre uma faixa e outra, proposta que concede ao trabalho um tratamento quase documental, registrando o processo de manufatura do disco, mas que acaba refreando a essência animalesca que concede beleza e fluidez ao material. São momentos de maior instabilidade que diminuem, mas não necessariamente consomem a força do som de Novaes.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.