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Crítica

Lingua Ignota

: "Sinner Get Ready"

Ano: 2021

Selo: Sargent House

Gênero: Experimental, Industrial

Para quem gosta de: Pharmakon e Marissa Nadler

Ouça: The Order of Spiritual Virgins

8.0
8.0

Lingua Ignota: “Sinner Get Ready”

Ano: 2021

Selo: Sargent House

Gênero: Experimental, Industrial

Para quem gosta de: Pharmakon e Marissa Nadler

Ouça: The Order of Spiritual Virgins

/ Por: Cleber Facchi 20/08/2021

Os versos lançados logo nos primeiros minutos da extensa The Order of Spiritual Virgins, música de abertura em Sinner Get Ready (2021, Sargent House), novo álbum de Lingua Ignota, dizem muito sobre a teatralidade e forte carga emocional que orienta as criações da cantora, compositora e multi-instrumentista Kristin Hayter. “Escondam seus filhos, escondam seus maridos / Eu sou implacável, sou incessante, sou o oceano / E todos os que se atrevem a olhar para mim juram devoção eterna“, anuncia em meio a vozes ora berradas, ora cantadas. São movimentações lentas e densas, como se pensadas para sufocar o ouvinte, conceito que tem sido explorado pela musicista californiana desde a produção do introdutório Let the Evil of His Own Lips Cover Him (2017).

A principal diferença em relação aos antigos trabalhos da cantora, principalmente o antecessor Caligula (2019), está na forma como Hayter potencializa o uso de temas religiosos, direcionamento que vai da construção das letras ao uso deturpado da música sacra, com seus órgãos soprados de forma melancólica e coros de vozes tratados como um instrumento complementar. Exemplo disso acontece na já conhecida Perpetual Flame Of Centralia, música que vai do céu ao inferno em meio a fragmentos bíblicos e momentos de maior vulnerabilidade, como se a artista transportasse para dentro de estúdio parte das experiências, angústias e dores vividas nos últimos meses.

Parte desse resultado vem justamente da mudança de Hayter, que começou a carreira em Rhode Island, na Costa Leste dos Estados Unidos, mas hoje reside no interior da Pensilvânia. Isolada, a artista decidiu incorporar parte dessa essência interiorana ao trabalho, reforçando o conceito soturno que há tempos embala as criações do Lingua Ignota. Perfeita representação desse resultado acontece em Pennsylvania Furnace, composição que oscila entre momentos de maior grandeza e vozes contidas, como um complemento ao lirismo existencialista e doloroso de Hayter. “Eu te observei sozinho na casa onde você mora com sua família / E tudo o que aprendi é que tudo queima“, detalha.

Mesmo a base instrumental do disco segue uma trilha parcialmente distinta em relação aos antigos trabalhos da cantora. São ambientações reducionistas, como uma completa fuga da brutalidade explícita em algumas das principais composições de Caligula, caso de Do You Doubt Me Traitor, consumida pelo uso de vozes guturais e momentos de maior experimentação. E isso fica ainda mais evidente na segunda metade do disco, quando músicas como Man Is Like A Spring Flower utilizam de uma abordagem quase medievalesca, proposta que faz lembrar da trilha sonora produzida por Paul Giovanni para o filme O Homem de Palha (1973), uma das grandes obras do horror rural.

Dos poucos momentos em que resgata a essência dos antigos trabalhos, Hayter revela ao público algumas das composições mais impactantes do disco. É o caso da intensa I Who Bend The Tall Grasses. São pouco mais de seis minutos em que a artista norte-americana brinca com a fragmentação dos elementos, investindo no uso claustrofóbico dos instrumentos, sinos e vozes que parecem pensadas para soterrar o ouvinte. O mesmo resultado acaba se refletindo minutos à frente, em Many Hands, canção regida pelo permanente choque de informações, como um regresso ao material entregue em Caligula, mesmo preservando a identidade e essência de Sinner Get Ready.

Partindo dessa intensa sobreposição de elementos, temas e conceitos criativos, Hayter entrega ao público uma obra que naturalmente exige tempo do ouvinte. São composições essencialmente longas e contemplativas, como se pensadas para a imersão. Claro que isso não exime o álbum de uma série de faixas consumidas pelos excessos, estruturas que se repetem e evidente morosidade, principalmente na segunda metade do trabalho. Falta ao disco a mesma pluralidade de ideias explícita em Caligula, onde a multi-instrumentista se dividia entre momentos de maior calmaria e faixas totalmente instáveis, direcionamento substituído pela forte homogeneidade de Sinner Get Ready.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.