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Crítica

Lonnie Holley

: "Oh Me Oh My"

Ano: 2023

Selo: Jagjaguwar

Gênero: Soul, Experimental

Para quem gosta de: Gil Scott-Heron e Moor Mother

Ouça: I Am A Part Of The Wonder e Mount Meigs

8.5
8.5

Lonnie Holley: “Oh Me Oh My”

Ano: 2023

Selo: Jagjaguwar

Gênero: Soul, Experimental

Para quem gosta de: Gil Scott-Heron e Moor Mother

Ouça: I Am A Part Of The Wonder e Mount Meigs

/ Por: Cleber Facchi 20/03/2023

Multiartista e educador conhecido pelas esculturas concebidas a partir de entulhos e objetos encontrados pelas ruas, Lonnie Holley tem investido fortemente na carreira musical desde o início da década passada. Com o lançamento do primeiro trabalho de estúdio, Just Before Music (2012), e consequente contrato com a Jagjaguwar, por onde lançou o excelente MITH (2018), o poeta nascido em 1950, durante o período de forte segregação racial nos Estados Unidos, encontrou em memórias empoeiradas da infância e reflexões sobre a sociedade norte-americana um precioso e necessário componente de estímulo para as próprias criações.

Vem justamente desse olhar melancólico para o próprio passado o estímulo para sua maior obra, Oh Me Oh My (2023, Jagjaguwar). Brilhantemente produzido e arranjado por Jacknife Lee (U2, R.E.M.), que assume parte expressiva dos instrumentos, o trabalho de onze faixas funciona como um passeio pela história recente dos Estados Unidos, se aprofunda em questões raciais e trata de temas ambientais, mas, acima de tudo, busca exorcizar os demônios e encontrar as raízes dos traumas mais profundos de Holley. Canções que oscilam entre a dor e a libertação, como um exercício autobiográfico que destaca a força dos versos.

Composição símbolo do disco, Mount Meigs sintetiza de forma bastante eficiente tudo aquilo que Holley busca desenvolver ao longo da obra. Enquanto a base da canção ganha forma em meio a orquestrações sutis e texturas de guitarras, o músico reflete sobre o período em que passou na Escola Industrial para Crianças Negras do Alabama, uma instituição educacional que prometia acolher e preparar jovens negros para o mercado de trabalho, porém, marcada pelo longo histórico de abusos físicos, emocionais e sexuais. “Eles tiraram a curiosidade de mim / Eles tiraram isso de mim / Eles gritaram / Eles me derrubaram“, canta.

Embora consumido pelo peso da memória e recordações sombrias da infância de Holley, Oh Me Oh My em nenhum momento perde o caráter esperançoso. Exemplo disso fica bastante evidente em I Am A Part Of The Wonder, parceria com Moor Mother, que regressa na contemplativa Earth Will Be There, e funciona como uma exaltação cósmica ao povo preto. “Você está vivendo / Pela batida do seu coração / Eu sou uma parte da maravilha“, celebra. O mesmo acontece na transcendental Kindness Will Follow Your Tears, delicada colaboração com Justin Vernon, do Bon Iver, e um dos momentos de maior beleza do registro.

Interessante notar que mesmo cercado de colaboradores, Holley em nenhum momento perde o controle da própria obra. Salve exceções, como If We Get Lost They Will Find Us, parceria que exalta as vozes da cantora malêsa Rokia Koné, tudo gira em torno do músico norte-americano. Na faixa-título do disco, por exemplo, Michael Stipe surge de maneira discreta, servindo de base para os versos semi-declamados que invadem a canção. O mesmo acontece em None Of Us Have But A Little While, composição que utiliza da voz de Sharon Van Etten como um instrumento complementar, mágico, ocupando as brechas do registro.

Todo esse cuidado no processo de construção do trabalho resulta na entrega de um repertório marcado pelo refinamento estético e profunda sensibilidade dos temas, mas que segue em um ritmo próprio, por vezes exaustivo. Por se tratar de um registro contemplativo, Jacknife Lee se concentra na formação de uma obra orientada pelo uso de ambientações sutis, o que resulta em alguns excessos, faixas exageradamente extensas e até mesmo dotadas de uma estrutura similar. São resquícios do hermetismo expresso nos discos anteriores, mas que em nenhum momento diminui a força das mensagens expressas em cada composição.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.