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Crítica

Lotic

: "Water"

Ano: 2021

Selo: Houndstooth

Gênero: Experimental, Art Pop, Eletrônica

Para quem gosta de: Arca, ANHONI e Björk

Ouça: Always You e Come Unto Me

7.7
7.7

Lotic: “Water”

Ano: 2021

Selo: Houndstooth

Gênero: Experimental, Art Pop, Eletrônica

Para quem gosta de: Arca, ANHONI e Björk

Ouça: Always You e Come Unto Me

/ Por: Cleber Facchi 05/01/2022

Longe do experimentalismo abstrato que parecia orientar as criações de J’Kerian Morgan, a Lotic, durante os primeiros registros autorais, a cantora, compositora e produtora norte-americana parece investir em um repertório cada vez mais guiado pela força dos próprios sentimentos. E isso fica bastante evidente nas composições de Water (2021, Houndstooth). Sequência ao material entregue no confessional Power (2018), em que discutiu o próprio processo de transição de gênero, o novo álbum estabelece em temas como sexualidade, abandono e desejo um estímulo natural para a construção de cada uma das nove faixas.

Preciso que você saiba que eu / Te amo de verdade, profundamente / Do jeito que eu sei que você me ama“, detalha na já conhecida Come Unto Me, composição que sintetiza parte das experiências e evidente vulnerabilidade da artista estadunidense durante toda a execução do material. Canções que preservam o forte aspecto provocativo de Lotic, porém, partido de uma abordagem cada vez mais acessível, como uma tentativa da produtora em dialogar com uma parcela ainda maior do público. São incontáveis camadas de sintetizadores, ruídos, batidas e vozes que parecem pensadas para acolher e provocar o ouvinte.

Exemplo disso fica bastante evidente na melancólica Always You. Enquanto os versos evidenciam a completa entrega de Lotic (“Eu sei que tentei / Para seguir em frente, para ser forte / Mas é sempre você / Sempre você“), batidas irregulares, pianos e vozes encolhem e crescem a todo instante, jogando com a interpretação do público. O mesmo resultado acaba se refletindo minutos à frente, na delicada Apart, registro que parte de uma base deliciosamente contida e atmosférica, porém, cresce em meio a micro-ambientações, ruídos e melodias tortas que se completam pela voz versátil e imprevisível da artista.

E são justamente essas constantes sobreposições e quebras instrumentais que tornam a experiência de ouvir o trabalho tão interessante. Canções que apontam para os antigos registros da produtora, mas que ganham novos contornos à medida que Lotic se permite incorporar diferentes possibilidades dentro de estúdio. Perfeita representação desse resultado acontece em Emergency. Uma das primeiras composições a serem apresentadas ao público, a faixa vai de um canto a outro de forma sempre curiosa, destacando fragmentos de vozes, ambientações sintéticas e batidas que parecem dotadas de uma linguagem própria.

Curioso perceber nessa mesma estrutura um precioso componente de encantamento e desajuste em relação ao trabalho. Salve exceções, como a curtinha Changes, colaboração com Julius Errol Flynn, Lotic parte sempre de uma abordagem bastante similar. São canções que utilizam de uma arquitetura minimalista nos minutos iniciais, mas que parecem adornadas por novas camadas, quebras e incontáveis atravessamentos rítmicos à medida que os sentimentos são desenvolvido durante a construção dos versos. Pequenas repetições e padrões que acabam se refletindo até a chegada da derradeira Diamond.

Entretanto, a real beleza do trabalho está em perceber como Lotic, mesmo partindo de uma estrutura bastante similar, utiliza de pequenos componentes e variações sutis de forma a capturar a atenção do ouvinte. Seja no reducionismo de Apart ou na composição turbulenta de Always You, perceba como a produtora norte-americana mantém firme o refinamento e pluralidade de ideias durante toda a formação de Water. É como um acumulo natural de tudo aquilo que a cantora tem produzido desde os primeiros registros autorais, porém, partindo de uma abordagem ainda mais sensível e íntima de qualquer ouvinte.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.