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Crítica

L’Rain

: "Fatigue"

Ano: 2021

Selo: Mexican Summer

Gênero: Experimental, R&B, Neo-Soul

Para quem gosta de: Solange e KeiyaA

Ouça: Suck Teeth e Two Face

8.3
8.3

L’Rain: “Fatigue”

Ano: 2021

Selo: Mexican Summer

Gênero: Experimental, R&B, Neo-Soul

Para quem gosta de: Solange e KeiyaA

Ouça: Suck Teeth e Two Face

/ Por: Cleber Facchi 13/07/2021

A imprevisibilidade talvez seja a principal marca do som produzido em Fatigue (2021, Mexican Summer). Produto das inquietações vividas por Taja Cheek nos últimos meses, o registro de essência delirante mostra a capacidade da cantora, compositora e multi-instrumentista nova-iorquina em jogar com os instantes, prendendo a atenção do ouvinte em uma obra que acolhe e provoca na mesma proporção. São incontáveis atravessamentos rítmicos, quebras e sobreposições conceituais, estrutura que naturalmente preserva tudo aquilo que a artista havia testado durante o lançamento do primeiro trabalho como L’Rain, há quatro anos, porém, partindo de uma abordagem ainda menos convencional, torta, tratamento que se reflete mesmo nos momentos de maior leveza da obra.

Esse álbum é uma exploração da simultaneidade das emoções humanas. A audácia da alegria na esteira da tristeza, a decepção diante da realização. A abrangência dessa camada de emoções pode ser surpreendente, fortalecedora e desanimadora. Essas sobreposições acontecem a cada momento, o tempo todo”, comentou Cheek no texto de apresentação do trabalho. São justamente essas quebras propositais e incontáveis rupturas criativas que tornam a experiência de ouvir Fatigue tão satisfatória. É como trilhar um caminho consumido pela escuridão, porém, pontuado por explosões luminosas que evidenciam formas, cores e paisagens pouco usuais. Um ziguezaguear de ideias e variações rítmicas em que a musicista norte-americana parece testar os próprios limites dentro de estúdio.

Entretanto, mesmo imersa nessa permanente corrupção de ideias, Fatigue está longe de ser encarada como uma obra abstrata. E isso fica bastante evidente nos temas incorporados pela cantora ao longo do trabalho. São canções que partem de conflitos sentimentais vividos durante o período de isolamento social, mas que invariavelmente mergulham em debates raciais, medos e inquietações sobre o que se espera de uma artista feminina em um registro do gênero. É como se Cheek seguisse por um caminho não convencional dentro do que foi historicamente estabelecido no R&B/soul, proposta que esbarra no mesmo território criativo de outras mulheres negras, como Solange, em When I Get Home (2019), e a conterrânea KeiyaA, no ainda recente Forever, Ya Girl (2020).

Perfeita representação desse resultado acontece logo nos momentos iniciais obra, na dobradinha composta por Fly, Die e Find It. São pouco mais de oito minutos em que Cheek parece jogar com a interpretação do ouvinte, mergulhando na formação de um repertório adornado pelo uso de melodias aprazíveis e vozes que evocam a musicalidade gospel, porém, pontuadas pela manipulação de ruídos e quebras conceituais. Esse mesmo direcionamento acaba se refletindo minutos à frente, em Blame Me, faixa que reflete o lado mais acessível do disco, mas que em nenhum momento tende ao óbvio. É como se a cantora mudasse de direção toda vez que o álbum esbarra em uma estrutura convencional, proposta que se reflete até a música de encerramento do disco, Take Two.

O mais interessante talvez seja perceber como tudo isso se resolve em um curto intervalo de tempo. São menos de 30 minutos de duração, espaço suficiente para que L’Rain brinque com a manipulação dos vocais, batidas e quebras rítmicas que transitam por diferentes campos da música. Mesmo canções efêmeras parecem trabalhadas de forma a incorporar a maior quantidade de elementos possíveis, transitando por entre décadas de referências e conceitos criativos. Exemplo disso acontece na montagem de Kill Self, com suas batidas tortas e melodias delirantes que vão do soul psicodélico ao pop eletrônico. É como se um vasto catálogo de obras fossem condensadas dentro de um único registro, tratamento que invariavelmente exige uma audição atenta por parte do ouvinte.

Uma vez imerso nesse cenário onde tudo muda o tempo todo, sempre de forma imprevisível, difícil não se deixar conduzir pelas vozes e temas instrumentais cuidadosamente trabalhados por Cheek. São canções que parecem pensadas para causar desconforto e envolver o ouvinte, como uma permanente corrupção de ideias e sentimentos que fogem ao controle da artista. Claro que essa propositada ruptura em nenhum momento perverte tudo aquilo que foi apresentado durante o lançamento do disco anterior, de onde vieram composições como as sensíveis Heavy (But Not In Wait) e A Toes (Shelf Inside Your Head). A diferença está na forma como a cantora parece entender melhor as próprias dinâmicas e utiliza disso para ampliar os limites e possibilidades da obra.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.