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Crítica

Lucas Santtana

: "O Paraíso"

Ano: 2023

Selo: Nø Førmat

Gênero: MPB

Para quem gosta de: Curumin e Céu

Ouça: Vamos Ficar Na Terra e A Transmissão

8.5
8.5

Lucas Santtana: “O Paraíso”

Ano: 2023

Selo: Nø Førmat

Gênero: MPB

Para quem gosta de: Curumin e Céu

Ouça: Vamos Ficar Na Terra e A Transmissão

/ Por: Cleber Facchi 17/01/2023

A poética afirmativa logo nos minutos iniciais de O Paraíso (2023, Nø Førmat), mais recente trabalho de Lucas Santtana, funciona como uma representação bastante significativa de tudo aquilo que o cantor e compositor baiano busca desenvolver ao longo da obra. “Sim! Sim! Sim! O paraíso já é aqui“, detalha o artista. Na contramão de outros registros marcados pela temática ambientalista, sempre alarmantes ou mesmo imersos em cenários pós-apocalípticos, Santtana se aprofunda na construção de um repertório realista e consciente, porém, pontuado pela esperança, leveza e permanente sensação de acolhimento.

Nós somos a natureza“, reforça na canção seguinte, What’s Life, um samba kraftwerkniano que destaca a capacidade do artista em transitar por entre estilos, mesclando elementos eletroacústicos, porém, preservando um mesmo núcleo temático que reforça o aspecto homogêneo do trabalho. São reflexões sobre a vida Terra, o consumismo desenfreado, a maquiagem virtual proposta pelas redes sociais e as feridas abertas pelo capitalismo. Instantes em que Santtana traz de volta o olhar atento proposto no introdutório Eletro Ben Dodô (2000), como uma transposição atualizada dos mesmos velhos temas sociais.

Não por acaso, Vamos Ficar Na Terra foi a primeira composição do trabalho a ser apresentada ao público. Enquanto a base da canção se espalha em meio a ambientações marofadas que parecem saídas do álbum 3 Sessions In a Greenhouse (2006), Santtana sustenta nos versos uma reflexão sobre o desejo de bilionários em colonizar outros planetas enquanto tudo o que precisamos está aqui. “Ô Ninha, vamo ficar na Terra / Aqui dá pra plantar e o que se colhe come / Pra matar a sede, bebe água na fonte“, canta. A própria releitura de Errare Humanum Est, de Jorge Ben Jor, vinda logo em sequência, funciona como um delicado complemento aos temas cósmicos e pequenas inquietações que atravessam o disco durante sua execução.

Passado esse momento de maior expansão, La Biosphère, com versos cantados em francês, regressa aos temas verdejantes que abastecem o disco. É como um lento desvendar de informações, estrutura que se completa pelo coro de vozes e fina tapeçaria instrumental que destaca o minucioso processo de criação do trabalho. Menos contemplativa, mas ainda assim instigante, Muita Pose, Pouca Yoga traz de volta o bom humor e habitual jogo de palavras que vez ou outra ecoa na obra do músico baiano. Trata-se de uma parceria com Flavia Coelho, carioca radicada na França que concede maior fluidez à criação de Santtana.

Com a chegada de The Fool on The Hill, releitura para a canção homônima produzida pelos Beatles em Magical Mystery Tour (1967), Santtana, agora acompanhado pela cantora Flore Benguigui, membro do grupo francês L’Imperatrice, abre passagem para o lado mais reflexivo e naturalmente contido da obra. E isso fica ainda mais evidente com a chegada de No Interior de Tudo, música composta durante o período pandêmico e um regresso ao reducionismo expresso no acústico Sem Nostalgia (2009). Nada que dê conta de preparar o ouvinte para o que talvez seja uma das principais composições do disco, A Transmissão.

Entre versos travestidos de conceitos científicos e elementos que apontam para a pandemia de Covid-19, Santtana reflete sobre o avanço do pensamento conservador e a destruição causada pelo governo de Jair Bolsonaro e outros líderes políticos da extrema-direita. “A quantos corpos será necessária a transmissão / Para a humanidade então entender o sinal“, questiona. O mais interessante talvez seja a forma como o músico contrasta a dureza da letra com a maciez dos vocais e uso calculado dos arranjos. São inserções sutis, proposta que acaba respingando na derradeira Sobre La Memoria, faixa que quase acaba engolida pela criação que a antecede, porém, pontua o disco com o mesmo teor esperançoso que o apresenta.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.