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Ano: 2021

Selo: Risco / Fun In The Church

Gênero: Experimental, Jazz, Art Pop

Para quem gosta de: Maria Beraldo e Juçara Marçal

Ouça: Dois Litorais e Petróleo

8.8
8.8

Mariá Portugal: “Erosão”

Ano: 2021

Selo: Risco / Fun In The Church

Gênero: Experimental, Jazz, Art Pop

Para quem gosta de: Maria Beraldo e Juçara Marçal

Ouça: Dois Litorais e Petróleo

/ Por: Cleber Facchi 08/11/2021

Em Erosão (2021, Risco / Fun In The Church), primeiro em carreira solo da baterista, cantora, compositora e produtora Mariá Portugal, música é matéria em decomposição. Partindo de um lento processo criativo que teve início há dois anos, quando se reuniu em estúdio com diferentes nomes da cena paulistana, como Maria Beraldo, Joana Queiroz e Chicão, também parceiros de banda na Quartabê, Portugal decidiu se concentrar no uso de improvisos com instrumentos acústicos, fazendo dessa sobreposição de elementos o estímulo para um material que seria minuciosamente filtrado, formatado e completo pelo uso de vocais, acréscimos e efeitos durante um período de residência artística na região de Moers, na Alemanha.

E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos da obra, na introdutória Cheio/Vazio. São pouco mais de quatro minutos em que Portugal apresenta parte das regras, possibilidades e conceitos que serão incorporados e derrubados ao longo do álbum. Oscilações eletroacústicas e vozes que encolhem e crescem a todo momento, sempre de maneira imprevisível, como uma manifestação instrumental e lírica do caminho indicado no próprio título da canção. Instantes em que a artista, acompanhada pelo cantor Tó Brandileone (5 a Seco), utiliza justamente da incerteza como único elemento de garantia do registro.

Entretanto, muito se engana quem pensa que Portugal faz desse processo torto o estímulo para uma obra inacessível. A todo momento, pontes conceituais são levantadas de forma a estreitar a relação com ouvinte, estranhamente seduzido e atraído para o interior do registro. Exemplo disso acontece em Dois Litorais. Originalmente lançada como parte do álbumTempo Sem Tempo (2020), da parceira Joana Queiroz, a faixa sustenta no uso das vozes, melodias e ambientações cósmicas a passagem para um território totalmente inebriante, mágico, como se pensado para envolver e confortar o público. Um misto de acolhimento e evidente senso de provocação, proposta que ganha ainda mais destaque minutos à frente, em Petróleo.

Sequência ao material entregue na experimental O Grão da Voz, composição em que lida com o uso de micro-ambientações, a faixa de oito minutos alcança um ponto de equilíbrio entre o que há de mais acessível e complexo durante toda a execução do registro. Enquanto os minutos iniciais da canção se espalham em meio a ambientações densas, conceito reforçado pelo uso dos vocais, sempre carregadas de efeitos, para os instantes finais, Portugal reserva ao público um delicioso momento de catarse. São harmonias de vozes e sobreposições hipnóticas, por vezes teatrais, lembrando as criações de Milton Nascimento. É como um lento processo de filtragem e transformação da matéria bruta em algo palatável.

Nada que não seja prontamente reconfigurado na composição seguinte, Telepatía. Embora curta, são apenas três minutos, Portugal parece concentrar o maior número possível de elementos, quebras e atravessamentos rítmicos, ampliando de forma incômoda os limites da canção. São captações aleatórias, ruídos granulados e vozes, agora cantadas em espanhol, que mais uma vez distanciam o ouvinte de qualquer traço de conforto. Um ziguezaguear de ideias que não apenas replica parte das experiências incorporadas ao longo da obra, vide a forte similaridade com o material apresentado em O Grão da Voz, como ainda serve de passagem para a música seguinte, a derradeira e extensa Um Olho Aberto.

Enquanto a letra, composta para Elza Soares, funciona como uma representação da essência mutável do registro – “Ora cara não me venha / Com esse papo sobre a natureza / Cada um inventa a natureza” –, musicalmente, Portugal volta a testar os próprios limites dentro e fora de estúdio. Dividida em dois atos, a faixa parte de um acidente sonoro em que potencializa os improvisos que deram vida ao disco para mergulhar em um ambiente imersivo. São captações de campo e sons de animais que garantem ao trabalho um caráter essencialmente orgânico, como uma obra viva, em inquietante processo de expansão.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.