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Crítica

Marisa Monte

: "Portas"

Ano: 2021

Selo: Sony Music

Gênero: MPB, Pop Rock, Samba

Para quem gosta de: Adriana Calcanhotto e Gal Costa

Ouça: A Língua dos Animais e Calma

6.0
6.0

Marisa Monte: “Portas”

Ano: 2021

Selo: Sony Music

Gênero: MPB, Pop Rock, Samba

Para quem gosta de: Adriana Calcanhotto e Gal Costa

Ouça: A Língua dos Animais e Calma

/ Por: Cleber Facchi 12/07/2021

Falar sobre esperança sem necessariamente perder o contato com a realidade. Esse parece ser o estímulo para o novo álbum de Marisa Monte, Portas (2021, Sony Music). Primeiro trabalho em carreira solo desde O Que Você Quer Saber de Verdade (2011), o registro inaugurado pela própria faixa-título, diz a que veio logo nos primeiros minutos. “Nesse corredor, portas ao redor … Qual é a melhor? / Não importa qual, não é tudo igual / Mas todas dão em algum lugar“, canta a artista carioca, apontando a direção e evidente senso de transformação pessoal, política e sentimental que parece orientar o disco. Canções que tratam sobre o presente com sobriedade, porém, vislumbrando um futuro otimista, conceito que se reflete até a derradeira Pra Melhorar, parceria com Seu Jorge e Flor Jorge, filha do cantor. “Lá vem o Sol / Para derreter as nuvens negras / Para iluminar o fim do túnel“, anuncia.

O problema é que no intervalo entre essas duas composições, a autora de obras importantes, como Mais (1991) e Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão (1994), mergulha em uma arrastada seleção de músicas românticas que pouco contribuem para o bem servido cardápio consolidado em Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000) e qualquer outro registro espalhado em mais de três décadas de carreira. Do romantismo nostálgico que toma conta de Quanto Tempo, música que poderia ser encontrada em algum disco dos Tribalistas, ao minimalismo de Totalmente Seu, parceria com o capixaba Silva, confesso discípulo da cantora, tudo soa como uma tentativa da artista em replicar fórmulas e conceitos há muito estabelecidos e replicados de forma exaustiva.

Não por acaso, sobrevive nos momentos em que mais se distancia desse resultado a passagem para algumas das melhores canções do álbum. É o caso de Calma. Enquanto os versos aportam no mesmo enfrentamento proposto logo nos minutos iniciais da obra – “Eu não tenho medo do escuro / Sei que logo vem a alvorada / Deixa a luz do Sol bater na estrada / Ilumina o asfalto negro” –, musicalmente, a artista vai de encontro ao soul dos anos 1970 em uma criativa combinação de elementos. São ecos de Marvin Gaye e Tim Maia, estrutura reforçada pelos arranjos de metais de Antônio Neves, músico que lançou há poucos meses o ótimo A Pegada Agora É Essa (2021). Um olhar curioso para o passado, porém, dotado de um frescor raro quando próximo do material entregue no restante do disco.

Esse mesmo resgate conceitual acaba se refletindo mais à frente, em A Língua dos Animais. Enquanto os segundos iniciais da canção apontam para o mesmo pop etéreo de A Primeira Pedra, Pelo Tempo que Durar e demais faixas apresentadas em Infinito Particular (2006), arranjos ensolarados e metais rapidamente transportam ouvinte para um novo território criativo. É como se a cantora fosse de encontro ao mesmo som psicodélico que marca os primeiros anos de Gal Costa, estrutura reforçada pelo lirismo mágico que embala a letra assinada em parceria com Dadi e Arnaldo Antunes. “E no meu caminho, encontrar um passarinho / Para conversar sobre uns assuntos sobrenaturais / Quando estou sozinho e sigo meu instinto / Até consigo, sem saber, falar a língua dos animais“, canta.

Pena que para cada composição marcada pelo evidente senso de mudança, a cantora reserva uma sequência de outras faixas tão previsíveis e insossas que é difícil criar qualquer apego. E isso fica ainda mais explícito na segunda metade do trabalho. Salve exceções, como no samba de Elegante Amanhecer, parceria com Pretinho da Serrinha, Monte esbarra em um limitado conjunto de ideias, ritmos e fórmulas instrumentais. É como se a artista aplicasse a mesma estrutura burocrática consolidada nos anos 1990 a um repertório que se abre para a chegada de novos colaboradores, vide encontros com Marcelo Camelo e Chico Brown. Canções que parecem pensadas para aplacar a fome do público, há dez anos sem acesso a um novo álbum de inéditas, porém, livres de qualquer impacto.

Embora pontuado por momentos de maior instabilidade e faixas ancoradas em velhos conceitos, Portas sobrevive como uma obra de inegável esmero no processo de composição. Dos arranjos de cordas ao uso da percussão, tudo parece perfeitamente encaixado dentro de estúdio. Mesmo a voz de Monte ecoa de maneira tão potente quanto em início de carreira, tratamento evidente em músicas como Calma e Déjà Vu. O problema é que o trabalho nunca vai além disso. Não há nada aqui que a cantora não tenha testado em outros registros de forma ainda mais eficiente e provocativa. Canções que arriscam movimentos ousados e buscam por novas saídas criativas, mas que invariavelmente regressam ao mesmo território que tem sido explorado pela artista nas últimas duas décadas.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.