Image
Crítica

Mateus Fazeno Rock

: "Jesus Ñ Voltará"

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Don L e Giovani Cidreira

Ouça: Melô de Aparecida e Pôr do Sol Marrom

9.0
9.0

Mateus Fazeno Rock: “Jesus Ñ Voltará”

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Don L e Giovani Cidreira

Ouça: Melô de Aparecida e Pôr do Sol Marrom

/ Por: Cleber Facchi 08/05/2023

No escapismo diário do rock de apartamento que invade as plataformas de streaming, Jesus Ñ Voltará (2023, Independente) é uma obra que nos aproxima da realidade. Segundo e mais recente trabalho de estúdio do cantor e compositor cearense Mateus Fazeno Rock, o sucessor de Rolê Nas Ruínas (2020) se projeta como um registro talvez indigesto, porém, necessário. São canções sobre começos e fins de vida que partem das experiências do músico na periferia de Fortaleza, mas que se estendem para além de possíveis limites geográficos. Um espaço conceitual onde dor, afeto e morte se cruzam a todo instante.

Regido pela sobriedade poética de quem independe da muleta imaterial da esperança, o disco produzido em parceria com glhrmee, Agê e Caiô diz a que veio logo nos minutos iniciais, na introdutória faixa-título. Completa pela participação de Jup do Bairro, a composição que se divide entre o canto e a rima aponta a direção seguida no restante da obra, reforçando a lírica consciente que orienta a experiência do ouvinte durante toda a execução do registro. “A autodestruição começa quando descobrimos quem somos“, alerta enquanto reapresenta seu “rock de favela”, conceito que tem sido incorporado desde o álbum anterior.

É como um campo aberto à reflexão, um olhar para os marginalizados e personagens reais que tão rápido surgem, logo desaparecem, como na poesia dilacerante de Nome de Anjo e na carta de Feito Um Porco Indo Pro Abate. Composições que parecem dançar pelo tempo, como nas memórias da infância que tomam conta de Melô de Aparecida (“Aqui nós rega e aduba / Pra não ver criança muda / Pra não ver criança morta“), ou mesmo nas recordações de um passado ainda recente, marca da potente Só Suor e Lágrima (“2021: a vida passa na janela do busão / A terra meio íngreme / Mas sinto que algo novo se revela aqui“).

Embora consumido pela forte carga emocional, Jesus Ñ Voltará, assim como o registro que o antecede, em nenhum momento perde o caráter acolhedor. São respiros momentâneos que contrastam com a poesia sóbria de Mateus, transportando o som produzido pelo músico para um novo território criativo. É o caso da própria faixa de encerramento, De Noite, um canto de proteção que se completa pelas vozes de Mumutante, Bianca Ellen e Jocastta Brito. Surgem ainda preciosidades como Pode Ser Easy e a agridoce Pôr do Sol Marrom, criação que se distancia de possíveis excessos para destacar a força dos sentimentos do artista.

Dentro desse ambiente tão particular quanto compartilhado, Mateus ainda aproveita para estreitar laços com diferentes colaboradores, como Brisa Flow, com quem divide Indigno Love, anti-canção de amor que mais uma vez destaca o lirismo político da obra. “Sangue no love / Sangue no lobby / E não é sangue do lobo / É sangue de um preto / Que morreu enforcado / Num supermercado / E por meios legais“, rima. A mesma força na construção dos versos se reflete na já conhecida Pose de Malandro / Me Querem Morto, parceria com Big Léo que se divide em dois atos, cresce e culmina em um fechamento transcendental.

De formatação singular, alternando entre momentos de calmaria e caos, Jesus Ñ Voltará estabelece na corrupção dos elementos e estruturas pouco usuais o estímulo para um repertório que cresce a cada nova audição. São canções ancoradas em gêneros historicamente consolidados e exaustivamente explorados por inúmeros artistas, como o rock, o rap, o raggae e o R&B, mas que ganham diferente formatação ao serem confrontados pela poética inconformista do músico cearense. Composições talvez incapazes de garantir respostas imediatas ao ouvinte, porém, poderosas e sempre necessárias ferramentas contestação.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.