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Crítica

Mdou Moctar

: "Afrique Victime"

Ano: 2021

Selo: Matador

Gênero: Rock, Rock Psicodélico

Para quem gosta de: Bombino, Tinariwen e Goat

Ouça: Chismiten e Afrique Victime

8.2
8.2

Mdou Moctar: “Afrique Victime”

Ano: 2021

Selo: Matador

Gênero: Rock, Rock Psicodélico

Para quem gosta de: Bombino, Tinariwen e Goat

Ouça: Chismiten e Afrique Victime

/ Por: Cleber Facchi 01/06/2021

O canto de um galo ecoando ao longe, o barulho de insetos e o som de passos em um ambiente desértico. Antes mesmo que as primeiras notas da guitarra de Mahamadou Souleymane sejam tocadas, o músico original de Agadez, em Níger, parece ambientar o ouvinte no cenário empoeirado que funciona como pano de fundo para o novo álbum de Mdou Moctar, Afrique Victime (2021, Matador). São canções de essência psicodélica, porém, essencialmente sóbrias, produto direto do lirismo contestador que não apenas resgata, como potencializa tudo aquilo que o artista e seus parceiros de banda, o guitarrista Ahmoudou Madassane, o baterista Souleymane Ibrahim e o baixista Mikey Coltun têm produzido desde a formação do grupo, na segunda metade dos anos 2000.

A África é vítima de tantos crimes / Se ficarmos em silêncio será o nosso fim / Por que isso está acontecendo? Qual é a razão por trás disso?“, questiona Souleymane na faixa-título do trabalho. São pouco mais de sete minutos em que o músico tuaregue não apenas estabelece parte dos elementos que servem de sustento ao registro, utilizando de uma série de fatos recentes para cantar sobre as feridas abertas do continente africano, com carrega na fluidez das guitarras parte da estrutura base que ganha diferentes variações e prova de novas possibilidades ao longo do disco. São incontáveis camadas de guitarras que ora apontam para as criações de veteranos como Tony Iommi e Jimmy Page, ora parecem dialogar com as composições de outros nomes recentes da produção psicodélica.

E isso fica bastante evidente na introdutória Chismiten. Regida em essência pelas guitarras de Souleymane, porém, completa pela bateria de Ibrahim, a canção vai de encontro à produção dos anos 1970 em uma linguagem tão atual quanto nostálgica. São ruídos e distorções ecoadas que ganham ainda mais destaque nos arranjos imprevisíveis do músico tuaregue, sempre atrelados ao encaixe cíclico das vozes, como mantras. O mesmo direcionamento, porém, partindo de uma abordagem ainda mais complexa e detalhista, acaba se refletindo na música seguinte, Taliat. São melodias e vozes em coro que parecem pensadas para dançar de forma delirante na cabeça do ouvinte. “Eu apelo a ti Senhor, Tu ó todo poderoso / Preserve-me do amor não correspondido e do desprezo“, canta.

Mesmo quando desacelera, como no material entregue na curtinha Tala Tannam, Souleymane mantém firme o esmero no processo de composição da obra. São delicadas paisagens instrumentais que se revelam ao público em uma medida própria de tempo, sem pressa. Instantes em que o quarteto utiliza de elementos da cultura tuaregue, vozes e ambientações acústicas, porém, sempre pontuadas por guitarras granuladas e momentos de breve experimentação. A própria Untitled, com suas captações de campo e sons de animais, em nenhum momento perverte a estrutura do disco, apoiada em essência no instrumento que apresentou a banda de Níger e garantiu ao público uma sequência de registros que se acumula com maior e menor destaque ao longo da última década.

É justamente essa forte similaridade com os últimos registros da banda, principalmente o antecessor Ilana: The Creator (2019), que diminui o impacto em relação ao presente trabalho. Basta voltar os ouvidos para músicas como Kamane Tarhanin e Tarhatazed, com suas guitarras dobradas, ambientações espaçadas e ruídos, para perceber a maneira como Souleymane utiliza de uma série de elementos previamente explorados pelo grupo. A diferença está na forma como o quarteto se mantém livre de possíveis excessos, garantindo ao público uma obra de fácil absorção, mas que em nenhum momento parece gratuita, conceito que se reflete não apenas na poesia política da faixa-título, mas em cada mínimo fragmento que orienta a experiência do ouvinte até a derradeira Bismilahi Atagah.

Nesse sentido, por se tratar de uma obra capaz de alcançar uma parcela ainda maior de ouvintes, efeito direto da distribuição pelo selo Matador Records, nova casa da banda, nada mais justo do que reservar aos integrantes do Mdou Moctar a possibilidade de resgatar uma série de componentes anteriormente testados pelo quarteto. Observado de maneira atenta, tudo soa como o produto final de um longo processo de amadurecimento artístico. São canções que se espalham em meio a camadas de guitarras, referências e momentos de maior experimentação, mas que em nenhum momento são apresentados em uma montagem excessivamente hermética, estabelecendo pequenos diálogos e instantes de maior abertura, como um precioso exercício de (re)apresentação da banda.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.