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Crítica

Nailah Hunter

: "Lovegaze"

Ano: 2024

Selo: Fat Possum

Gênero: Art Pop

Para quem gosta de: Spellling e serpentwithfeet

Ouça: Finding Mirrors, Bleed e Strange Delights

7.4
7.4

Nailah Hunter: “Lovegaze”

Ano: 2024

Selo: Fat Possum

Gênero: Art Pop

Para quem gosta de: Spellling e serpentwithfeet

Ouça: Finding Mirrors, Bleed e Strange Delights

/ Por: Cleber Facchi 22/02/2024

Cantora, compositora e multi-instrumentista norte-americana, Nailah Hunter passou parte expressiva da última década imersa na produção de registros marcados pelo aspecto contemplativo e uso pouco usual dos arranjos. Entretanto, é com a chegada do primeiro trabalho de estúdio da carreira, Lovegaze (2024, Fat Possum), que a artista melhor consolida suas ideias. Inaugurado pela atmosférica Strange Delights, o álbum estabelece no lento desvendar dos elementos um estímulo para o restante da obra. São ambientações sutis e bases que travessam o soul tradicional para provar de componentes que vão da new age ao trip-hop.

Com o ouvinte ambientado ao registro, Hunter se aventura na formação de um repertório que exige uma audição naturalmente atenta, porém, gratificante a cada novo regresso. Em Through the Din, vinda logo em sequência, são as tapeçarias melódicas geradas pela principal ferramenta de trabalho da artista, a harpa, que se conectam aos versos marcados por paisagens descritivas. É como um jogo de pequenos acréscimos, estrutura que se projeta de forma ainda mais interessante na posterior Finding Mirrors, faixa que encanta pela curiosa relação da musicista com o R&B, soando como uma composição perdida de Dawn Richard.

O problema é que para cada momento de maior libertação criativa, como em Finding Mirrors, há sempre uma contraparte menos interessante. É o caso da posterior 000, canção que encanta pela delicadeza das vozes, evoca os arranjos de Björk em Homogenic (1997), mas nunca consegue ultrapassar o que parece ser um limite autoimposto. A própria faixa-título, apresentada minutos à frente, é outra que partilha do mesmo controle excessivo. Nem o avanço das batidas parece capaz de romper com essa estrutura, limitando o tipo de som produzido pela instrumentista a um conjunto de ideias bastante característico, por vezes restritivo.

Nada que Bleed, revelada em sequência, não dê conta de resolver. Do uso instrumental dos vocais à fina sobreposição das batidas, cada elemento da canção parece pensado para ampliar os limites do trabalho, evidenciando a real força criativa de Hunter. Tudo é tão bem elaborado que a posterior Adorned, com suas ambientações e vozes etéreas, acaba passando despercebida, efeito direto do reducionismo excessivo que vez ou outra se apodera das criações da musicista. Falta consistência ao material que parece reduzido ao ambiente caseiro onde foi desenvolvido, em uma pequena cidade costeira ao longo do Canal da Mancha.

Apesar dessa estrutura limitante e uso de temas instrumentais que ocultam a real potência criativa da obra de Hunter, Lovegaze estabelece nesses momentos de maior contemplação o estímulo para a formação de faixas dotadas de uma beleza única. Exemplo disso fica bastante evidente em Garden. Precedida pelas ambientações enevoadas de Cloudbreath, com suas cordas cósmicas, a faixa parece pensada para fazer o ouvinte flutuar. São pouco menos de cinco minutos em que cada elemento se revela ao público em uma medida particular de tempo, direcionamento que vai da meticulosa sobreposição das batidas aos vocais.

Uma vez imersa nesse ambiente de formas reducionistas, melodias e vozes cuidadosamente encaixadas em estúdio, Hunter se concentra na lenta remoção dos elementos. É como se o disco fosse aos poucos se esfarelando, indicando uma despedida sutil da instrumentista. Não por acaso, ao alcançarmos a faixa de encerramento do disco, Into The Sun, a cantora não apenas transporta essa temática da despedida para dentro dos versos (“Nós dissemos adeus / À noite / E para o sol“), como se limita ao uso da harpa e da própria voz, proposta que pontua o material de forma contida, porém, coerente com o restante da obra.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.