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Crítica

Nilüfer Yanya

: "Painless"

Ano: 2022

Selo: ATO

Gênero: Indie Rock

Para quem gosta de: Snail Mail e Vagabon

Ouça: Midnight Sun e Anotherlife

8.3
8.3

Nilüfer Yanya: “Painless”

Ano: 2022

Selo: ATO

Gênero: Indie Rock

Para quem gosta de: Snail Mail e Vagabon

Ouça: Midnight Sun e Anotherlife

/ Por: Cleber Facchi 08/03/2022

Em se tratando dos próprios sentimentos, Nilüfer Yanya sempre foi bastante direta. Livre de possíveis metáforas e curvas poéticas, cada verso tecido pela cantora e compositora inglesa se revela ao público em uma abordagem essencialmente crua e confessional. “Lembro de tudo / Então eu não posso pegar nada de volta“, detalha em Midnight Sun, música que não apenas sintetiza a honestidade e firmeza no processo de criação da artista de Londres, com condensa de maneira expressiva parte dos temas incorporados em cada mínimo fragmento de Painless (2022, ATO), segundo e mais recente trabalho de estúdio da musicista.

Sequência ao material entregue no conceitual Miss Universe (2019), obra que funciona como uma central de atendimento em uma clínica fictícia para o tratamento de doenças mentais, o registro produzido durante o período de isolamento social reflete o que existe de mais doloroso e honesto na obra de Yanya. São canções consumidas pela permanente sensação de abandono vivido pela artista, como um produto natural das experiências acumuladas desde o início da pandemia. “A tristeza te pega até os ossos?“, questiona na introdutória The Dealer, música que aponta a direção seguida até a faixa de encerramento, Anotherlife.

Essa mesma crueza no processo de construção dos versos acaba se refletindo na composição dos arranjos e ritmo dado ao disco. Não por acaso, Yanya fez de Stabilise a primeira música do álbum a ser apresentada ao público. São guitarras e batidas movidas pela urgência dos elementos, lembrando as criações do Bloc Party em início de carreira, porém, íntimas do som que tem sido explorado pela cantora desde o registro anterior. E isso fica ainda mais evidente em Chase Me, faixa que utiliza da ruidosa programação eletrônica de forma a orientar a sobreposição das vozes e sentimentos cuidadosamente encaixados pela cantora.

São justamente esses pequenos ruídos, texturas e atravessamentos ocasionais que garantem maior profundidade ao trabalho. É como se Yanya preservasse parte dos elementos e traços emocionais explorados durante o lançamento do disco anterior, porém, partindo de uma abordagem totalmente inexata, torta. O resultado desse processo está na entrega de uma obra que oscila entre momentos de maior calmaria e explosões sentimentais. Instantes em que a artista vai do reducionismo de Trouble, com suas batidas e ambientações econômicas, ao som ondulado de Try, composição em que flerta com o R&B.

Tamanha riqueza de detalhes faz de Painless uma obra que se revela por completo e convence logo em uma primeira audição, mas que parece maior e mais complexa a cada nova execução. Novamente acompanhada de Will Archer (Jessie Ware, Sudan Archives), com quem havia colaborado no disco anterior, Yanya investe em um repertório direto na construção dos versos, mas que ganha forma em meio a construção labirínticas e momentos de sutil experimentação. Exemplo disso acontece em Belong With You e Midnight Sun, música que encolhe e cresce a todo instante, lembrando as criações do Radiohead.

Feito para ser absorvido aos poucos, como tudo aquilo que Yanya tem produzido desde os primeiros registros autorais, Painless encanta pela capacidade da artista em transitar por entre estilos, ritmos e possibilidades, porém, utilizando dos próprios sentimentos e experiências traumáticas como um precioso componente de aproximação entre as faixas. São canções ancoradas em relacionamentos fracassados, medos e instantes de maior vulnerabilidade, mas que em nenhum momento ecoam de maneira piegas, como uma interpretação ainda mais sensível do material entregue pela cantora no trabalho anterior.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.