Image
Crítica

Noname

: "Sundial"

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap, Neo-Soul

Para quem gosta de: Saba e Jamila Woods

Ouça: Namesake, Gospel? e Hold Me Down

7.7
7.7

Noname: “Sundial”

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap, Neo-Soul

Para quem gosta de: Saba e Jamila Woods

Ouça: Namesake, Gospel? e Hold Me Down

/ Por: Cleber Facchi 18/08/2023

Na contramão de parte expressiva da indústria da música, porém, intimamente conectada à ela, Noname busca discutir em Sundial (2023, Independente) os diferentes aspectos sobre o que é fazer arte em uma sociedade capitalista. Sequência ao material apresentado em Room 25 (2018), o trabalho se aprofunda na mente e nas inquietações da norte-americana na mesma medida em que pinta um retrato sobre o modelo de consumo e o esvaziamento cultural estimulado pelos próprios artistas. Um exercício crítico que aponta dedos para os mais variados personagens, mas que em nenhum momento exclui a rapper desse processo.

Exemplo disso fica bastante evidente dentro da provocativa Namesake, composição em que não apenas destaca o flow inconfundível da rapper, como sintetiza parte dos temas que serão explorados ao longo do trabalho e ainda trata de figurões como Kendrick Lamar, Beyoncé, Rihanna e Jay-Z como contribuintes para os males gerados pelo capitalismo. “Vá , Kendrick, vá / Veja o avião de caça voar alto / A máquina de guerra fica glamourizada / Nós jogamos o jogo para passar o tempo“, rima. Nada que pareça isentar a artista, como ela mesma acaba disparando minutos à frente: “Vá, Noname, vá / O palco do Coachella foi higienizado / Eu disse que não iria me apresentar para eles / E de alguma forma eu ainda entrei na linha“.

São essas pequenas contradições, sempre concientes, que tornam o processo de audição do registro tão interessante. Logo na abertura do trabalho, em Black Mirror, enquanto parte de uma base confortável, incorporando a suavidade formulaica de uma música de elevador, Noname questiona: “Queimando no retrovisor enquanto dirijo com uma visão clara / É uma irmã do socialismo / Eu deveria sentir isso diferente? / Como se meu aluguel estivesse pago?“. É como se a artista buscasse encontrar o próprio espaço em um cenário economicamente corrompido e que se estende para além da sociedade estadunidense.

Dos poucos momentos em que se distancia desse núcleo temático, Noname aproveita para mergulhar em conflitos pessoais e tormentos sentimentais de forma sempre questionadora. Perfeita representação desse resultado pode ser percebida em Toxic, composição em que discute relacionamentos tóxicos e negritude com uma sensibilidade única. “Eu sou como seu segredinho debaixo do tapete / Tipo, eu quase poderia ser sua esposa / Mas eu não tenho pele clara o suficiente“, rima. Esse mesmo aspecto racial volta a se repetir de forma ainda mais efetiva com a chegada de Gospel?, música que se abre para nomes como Billy Woods, Silkmoney e Stout, destacando a potência dos versos que em nenhum momento tendem ao conforto.

Claro que esse lirismo provocativo de Noname em nada justifica alguns tropeços bastante evidentes ao longo do trabalho. É o caso de Ballons. Enquanto os versos lançados pela artista mais uma vez discutem diferentes aspectos do modelo capitalista de forma pertinente, ampliando consideravelmente os limites da obra, a breve participação de Jay Electronica, conhecido pelo discurso anti-semita e sempre imerso em teorias da conspiração, acaba criando uma mancha difícil de ser apagada do álbum. Entretanto, como a própria rapper sinaliza durante toda a execução do material, Sundial é um registro passível de erros.

Dessa forma, mesmo pontuado por momentos de maior instabilidade e temas questionáveis, Sundial segue firme em sua proposta, servindo como uma manifestação poética dos tormentos, reflexões e relações, sejam elas benéficas ou não, estabelecidas pela artista desde a entrega do registro anterior. É como uma contrastante combinação de elementos, estrutura que parte da base instrumental que se projeta de forma sempre reconfortante, porém, cruamente entrecortada pela sobriedade dos versos que se aprofundam em diferentes aspectos políticos, culturais e sociais de forma a estimular o pensamento crítico do ouvinte.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.