Image
Críticas

BaianaSystem

: "O Futuro Não Demora"

Ano: 2019

Selo: Máquina de Louco

Gênero: Eletrônica, Reggae, Dub

Para quem gosta de: Nação Zumbi e Curumin

Ouça: Sonar, Sulamericano e Navio

9.0
9.0

Crítica: “O Futuro Não Demora”, BaianaSystem

Ano: 2019

Selo: Máquina de Louco

Gênero: Eletrônica, Reggae, Dub

Para quem gosta de: Nação Zumbi e Curumin

Ouça: Sonar, Sulamericano e Navio

/ Por: Cleber Facchi 20/02/2019

A mensagem proposta pelo BaianaSystem em O Futuro Não Demora (2019, Máquina de Louco) é bastante clara: “Você tem poder para mudar o mundo“. Sequência ao elogiado Duas Cidades (2016), obra que serviu para estreitar a relação entre o discurso político e a essência festiva que há mais de uma década embala o trabalho de Roberto Barreto (guitarra baiana), Seko Bass (baixo) e Russo Passapusso (voz), o novo álbum traz de volta a dualidade explícita no registro que o antecede, porém, em um sentido ainda mais amplo, contestador e, ao mesmo tempo, esperançoso. Trata-se de uma obra marcada pela estrutura cíclica dos elementos, conceito que vai da renovação imposta pela Água, logo na abertura do disco, ao Fogo, elemento caótico que garante fechamento ao registro.

Parte dessa forte conexão entre as faixas vem da forma como o próprio álbum foi concebido. Longe dos palcos, o trio e um time seleto de colaboradores decidiu se isolar em Itaparica, ilha baiana localizada a 13 quilômetros da capital Salvador e um paradisíaco ponto de conexão entre as experiências acumuladas por cada integrante da banda. O resultado essa simbiose criativa está na produção de um registro que exige ser apreciado do início ao fim, sem pausas. Canções que mesmo trabalhadas em uma estrutura própria, acabam servindo de alicerce para a faixa seguinte.

De essência orgânica quando próximo do material entregue em Duas Cidades, o trabalho que mais uma vez conta com produção de Daniel Ganjaman (Criolo, Sabotage) estabelece na rica colagem de ritmos, batidas e instrumentos a base para uma obra que se faz maior a cada nova audição. Síntese desse profundo refinamento estético ecoa com naturalidade logo na abertura do disco, efeito das ambientações eletrônicas se abrem para o uso de elementos percussivos e vozes tribais, ponto de partida para a forte interferência da dupla Antonio Carlos & Jocafi e membros da Orquestra Afrosinfônica. Um colorido cardápio de ideias que sutilmente amplia os domínios do BaianaSysteam.

Exemplo disso está no refinamento melódico de Sonar. Concebida em parceria com o cantor e compositor paulistano Curumin, além, claro, da breve passagem do rapper Edgar, a faixa vai do reggae ao soul, do rap à eletrônica em uma linguagem deliciosamente psicodélica, mágica, conceito reforçado na poesia cósmica que embala canção — “Na esquina do mundo / Com o túnel do tempo / Você chegou ao seu destino / Entre portas e portais“. São referências extraídas de diferentes campos da música brasileira e internacional, ponto de partida para o criativo diálogo com o francês Manu Chao, em Sulamericano, composição que parte do inflamando discurso político como elemento de libertação — “Nas veias abertas da América Latina / Tem fogo cruzado queimando nas esquinas / Um golpe de estado ao som da carabina, um fuzil / Se a justiça é cega, a gente pega quem fugiu“.

São tantas vozes, versos e colagens instrumentais que é difícil pensar em O Futuro Não Demora como um experimento particular do BaianaSystem. Trata-se de uma obra viva, produto da interferência coletiva que vem sendo aprimorada pelo grupo desde o primeiro álbum de estúdio. Da rima de BNegão, em Salve, ao encontro com o grupo Samba de Lata de Tijuaçú, na eletrônica Redoma, cada composição do disco parece transportar o ouvinte para um cenário completamente novo. Mesmo no isolamento do trio, como na divertida Saci ou no som delirante de Navio, perceba como um Barreto, Bass e Passapusso brincam com a desconstrução da própria identidade, provando de novas fórmulas e possibilidades a todo instante.

Lançado em boa hora, às vésperas da folia carnavalesca em um cenário político marcado pela incerteza, O Futuro Não Demora tende ao escapismo, porém, preserva o caráter contestador dos versos. Instantes de profunda celebração (“Salve Nelson Mandela, Martin Luther King, Ilê Ayê“), mas que a todo momento se projetam de forma a provocar o ouvinte (“Já aconteceu com você, aconteceu comigo / O fogo que queima em você também queima comigo“), como uma extensão madura e, naturalmente, acessível de tudo aquilo que o BaianaSystem havia aprimorado no álbum anterior. Uma coleção de pequenos acertos que tem início no riquíssimo projeto gráfico que apresenta o disco e segue até a última nota do trabalho.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.