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Crítica

Otto

: "Canicule Sauvage"

Ano: 2022

Selo: Condom Black

Gênero: MPB, Eletrônica

Para quem gosta de: Céu e Russo Passapusso

Ouça: Há Tanta Gente Que Se Abre e Menino Vadio

8.0
8.0

Otto: “Canicule Sauvage”

Ano: 2022

Selo: Condom Black

Gênero: MPB, Eletrônica

Para quem gosta de: Céu e Russo Passapusso

Ouça: Há Tanta Gente Que Se Abre e Menino Vadio

/ Por: Cleber Facchi 10/05/2022

É sempre muito difícil prever qual será a direção seguida por Otto a cada novo trabalho de estúdio. E isso é ótimo. Do diálogo com a produção eletrônica, no introdutório Samba pra Burro (1998), passando pelo romantismo empoeirado que toma conta de Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos (2009) à inusitada costura de ritmos em The Moon 1111 (2012), sobram momentos em que o cantor, compositor e percussionista pernambucano parece testar os próprios limites. Canções que vão de um canto a outro sem necessariamente perder a consistência, como um passeio torto pela mente inquieta do próprio artista.

Curioso perceber em Canicule Sauvage (2022, Condom Black), sétimo e mais recente trabalho de estúdio, um álbum que resgata parte desses elementos incorporados pelo artista em mais de três décadas de carreira. Acompanhado pelo produtor Apollo Nove, com quem colaborou nos primeiros registros autorais, Otto costura passado e presente da própria obra sem fazer disso o estímulo para um exercício revisionista ou minimamente nostálgico. Composições que transitam por entre estilos, ritmos e colaboradores de forma sempre atenta, como uma combinação do que há de melhor nas criações do compositor pernambucano.

Tendo como pano de fundo as mudanças climáticas e o aquecimento global, conceito reforçado no próprio título da obra, do francês, “onda de calor selvagem”, o trabalho parte desse ambiente abafado para discutir relações abrasivas e pequenas inquietações de forma sempre intensa, quente. E isso fica bastante evidente logo nos minutos iniciais do registro. Passada a autointitulada música de abertura, o contraste entre as vozes de Otto e Ana Cañas movimenta a crescente Menino Vadio, faixa que aponta a direção seguida pelo artista ao longo do álbum. “Eu preciso falar / Eu não posso guardar / Vou falar pra você / Eu não posso tremer / Eu não posso suar / Eu só tenho que viver com você“, confessa de forma deliciosamente catártica.

Essa mesma entrega acaba se refletindo durante toda a execução do material. Está na voz de Tulipa Ruiz, em Tinta, e no precioso cruzamento de informações de Candura, composição que reforça a temática ecológica do trabalho e ainda cresce na breve participação de Lirinha. De fato, desde Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos que Otto não revelava ao público uma obra tão intensa. São canções que começam pequenas, por vezes econômicas em excesso, mas que acabam revelando novas tonalidades a cada novo movimento do artista. Exemplo disso acontece em Há Tanta Gente Que Se Abre, música que destaca a produção de Apollo Nove e avança no misto de canto e rima, como um mantra, lançado pelo cantor.

Dentro desse ambiente marcado pela força das composições, evidente entrega e exercícios criativos que se revelam ao público em pequenas doses, músicas que utilizam de uma abordagem distinta invariavelmente ecoam de maneira deslocada. É o caso de Você Pra Mim É Tudo, faixa que encanta pela sensibilidade dos versos, mas que parece menor quando próxima de outras canções apresentadas ao longo da obra. O mesmo acontece em Decidez, criação que abraça a arquitetura eletroacústica do restante do álbum, porém, partindo de uma estrutura diferente, como um diálogo descompromissado do artista com a música pop.

Entretanto, são essas pequenas oscilações que tornam a obra do músico pernambucano tão interessante e única. É como um espaço permanentemente aberto às possibilidades e criativo diálogo com diferentes colaboradores, entre eles, o baterista Pupillo e a cantora Nana Miranda, com quem divide as vozes na delicada Anna. Instantes em que Otto resgata uma série de elementos originalmente testados em diferentes obras ao longo da própria carreira, como na ciranda eletrônica que embala a já conhecida Peraí Seu Moço, mas que trilham vias pouco usuais, como um delirante catálogo de informações, ritmos e sensações.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.